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The Flash (2023) | Uma existência voltada às referências

Enquanto o filme adora brincar com os muitos Batmans que tivemos ao longo dos anos, ele se esquece de existir como cinema, de desenvolver elos entre as personagens e de se levar a sério



O cinema de heróis, como já disse muito por aqui, se encontra em uma encruzilhada existencial. Seus maiores filmes, em que os estúdios investem caminhões de dinheiro para dar sequência a seus universos cinematográficos, chegaram em uma espécie de vácuo para o gênero. Primeiro foi a perda da autoralidade em prol de uma forma que permitisse a fundamentação de mundos concisos, depois, o teor formular achatou tramas e subtextos enquanto padronizava o senso de humor. Mesmo assim, ainda havia alguma preocupação geral de fazer filmes pelo menos toleráveis, do tipo que o espectador não se lembra se foi bom ou ruim e logo compra o ingresso para a sequência.


Mas então veio a grande virada. Os estúdios perceberam que os nerds vão à loucura se você joga uma referência ou outra completamente solta e sem contexto ou se cita um personagem de quadrinhos cuja última aparição data da década de 40. Então, não é sequer preciso fazer mais filmes, só preparar terreno para entregar o “fan service”. Tivemos bons (na verdade ruins, mas me acompanhe na metáfora) exemplos disso nos últimos tempos, mas nada como The Flash (Andy Muschietti, 2023).



Antes, o modus operandi era polvilhar cada vez mais referências, piadocas, services e outras bugigangas em filmes comuns, com seus próprios personagens, enredos, viradas e etc. Dessa forma, mesmo enjoando vez ou outra, eram cobertura, não recheio. Todavia, The Flash é inescrupuloso e deixa esses pequenos artifícios se apossarem do filme, sufocando qualquer chance que ele possa ter de existir por si só. Assim, não tem porque o diretor se preocupar em utilizar a linguagem para despertar qualquer emoção em quem está assistindo uma vez que o resgate saudosista se apropria dessa troca artista/público e prioriza uma única sensação a nostalgia.


Zack Snyder tinha uma ideia bem clara e séria para lidar com esses personagens. Não que seus filmes sejam perfeitos, estão muito longe disso na verdade, mas ao menos sua ideia como cinema tinha alguma solidez. No começo do filme, desde a cena da salvação dos bebês até a perseguição que envolve o Batman, o Flahs e a Mulher-Maravilha, dá para sentir um gosto do que poderia ter sido a Liga da Justiça se não fosse a pressa e a ambição no seu desenvolvimento como grupo.


Nessa perspectiva mais densa, Barry Allen seria a grande expectativa de alívio cômico. Para o infortúnio de mais uma faceta do universo DC, a interpretação de Ezra Miller é não só confusa como também vergonhosa. Enquanto interagem exclusivamente entre si até que isso passa despercebido, mas ele parece deslocado do clima geral do filme interpretando as duas versões de seu personagem, forçando piadas e ignorando a entrega do drama a não ser pelas poucas cenas que imploram por ele.



O alívio cômico por alívio cômico é uma das piores coisas que tem acontecido com o gênero. Muitas vezes, interferindo na criação de elos entre o espectador e a narrativa do filme em troca de nada. Assim que resgatam a Supergirl de sua prisão russa, ela repousa no Sol, pensativa se deve ou não salvar a humanidade de seu completo extermínio. No papel de convencê-la a ajudar, Barry Allen do passado ignora a seriedade do momento para fazer uma piada besta, falando que lutadores e bebês são os seres humanos que valem a pena, excluindo qualquer preocupação que ele possa ter com seu próprio universo. Uma ou outra gargalhada pode até ter sido angariada, mas a superficialidade de um personagem que não consegue se encontrar dentro da encenação é agonizante.


Juntando essa falta de tato na construção de seu protagonista, toda existência voltada para agradar o fã com referências soltas e o baixíssimo esmero em sua construção visual, que tem uma das piores computações gráficas dos últimos 15 anos do cinema de heróis, geram um filme que até começa, mas que nunca se encontra, que é vazio e que só existe a favor da engrenagem. A cena final é uma pontuação do escárnio quando, até em seu último momento, no encerramento triunfante, o máximo que ele consegue fazer é jogar o espectador para o trabalho de Joel Schumacher com George Clooney re-assumindo a carcaça de homem-morcego.


Nota do crítico:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


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