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A Cor Púrpura (2023)

Apesar de um ótimo elenco nas mãos e uma história forte, a nova versão de A Cor Púrpura se perde em distrações e decisões equivocadas



A história de sofrimento de Celie (Fantasia na sua fase adulta e Phylicia Pearl Mpasi mais jovem) e a sua trajetória de sonoridade com as mulheres negras ao seu redor num universo injusto, misógino e racista encontra um dilema com o fato que estamos falando de uma adaptação do musical da Broadway ao mesmo tempo que é uma adaptação também do livro de Alice Walker e muito do filme dirigido por Steven Spielberg em 1985. 


O diretor Blitz Bazawule, vindo do mundo do rap e de álbuns visuais como Black Is King, da Beyoncé, em teoria parece querer fazer uma história mais representativa com negros comando os bastidores também e que deixe mais claro as questões raciais e de gênero da história original. A ideia é justíssima, o problema é que carece nela qualquer tipo de visão específica ou take própria porque na prática o que existe é um longa–metragem que só segue o mesmo filme que o Spielberg fez lá em 1985, adicionando algumas músicas entre as cenas do filme original, músicas que inclusive nem são marcantes e acabam sendo bastante redundantes ficando só reféns de uma boa produção. 


De maneira insistente o filme sempre parece obcecado em mostrar como ele é caprichado visualmente – com um visual dourado, um colorido forte e contraluzes da janela – o que acaba resultando num sentido contrário: numa beleza artificial que te distrai da dimensão dramática do projeto, fazendo parecer que tudo tem um tom falso, uma plasticidade vazia de comercial, com movimentos de câmera e jogos de montagem que soam excessivamente programados, como a primeira vez que vemos o retratado da personagem de Shug (Taraji P. Henson). 


Momentos alegres e de humor não conversam com uma história extremamente pesada e triste que toca em temas muito delicados como estupro, abuso sexual, violência doméstica, misoginia e racismo, só que ainda o filme não abandona um olhar simplório e estereotipado de todos esses temas e personagens preferindo sempre um tom folclórico da coisa, caricato e pitoresco ao invés de absorver a humanidade daquilo tudo. O musical só salienta como esses dois não se conversam entre si fazendo com que o lado espetaculoso do musical, alegre, celebratório da questão racial, da questão de gênero, não converse com a denúncia. 


Questões da trama são meramente jogadas de forma abruptas, esquecidas ou nunca desenvolvidas como na relação de Shug com o pai pastor que ganha um peso que o filme nunca desenvolveu. O tom over do filme do Spielberg é repetido com ainda mais didatismo e mão pesada tanto no roteiro quando na montagem que faz com que os tons das cenas não dialoguem entre si e é tanto exagero que no final o filme promove uma união amigável de um homem abusivo, um estuprador e agressor com as suas vítimas, todos se tornando amigos como se anos de abuso não tivessem acontecido numa ênfase muito mais forçada que o já brega final do filme do Spielberg e de um mal gosto muito maior e mais esquisito. 


O que dá alguma organicidade é o filme é ótimo elenco com interpretações bem comoventes, principalmente da Danielle Brooks, que encontram uma energia e emoção em personagens que são estereotipados. Ao mesmo tempo, acho meio impossível não ver alguma força na história por ele estar tão próxima de realidades tão palpáveis no nosso mundo, mas que na sua execução fica longe de adentrar de fato nelas.


Filme assistido a convite da Warner Bros. Pictures e Comunicação e CDN Comunicação


 

Nota do crítico:


 

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