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Oldboy (2003) | O testemunho como ação

Questionando o papel do espectador em meio a sua jornada sanguinária, Oldboy é ao mesmo tempo fascinante e perturbador



A vingança é um tema bastante comum não só no cinema, mas também em outras linguagens artísticas como a literatura e o teatro. No entanto, poucos projetos questionam tanto o papel da testemunha - isto é, a própria pessoa que aprecia a obra - como Oldboy.


Comemorando 20 anos de seu lançamento original, o filme volta aos cinemas em uma versão remasterizada. Nele, acompanhamos Dae-Su, um pai de família que, após ser sequestrado, vive em um cativeiro por 15 anos. Estando finalmente liberto, ele decide iniciar sua vingança. A premissa simples e direta esconde o vindouro aprofundamento dado pelo filme, aprofundamento esse que não se resume apenas à narrativa, mas também a escolhas estéticas muito particulares. Com uma decupagem bastante livre, a câmera se move vigorosamente e assume posições muito significativas, especificamente nos planos subjetivos, quando enxergamos pelos olhos dos próprios personagens.



Isso nos coloca numa posição de proximidade das ações, de forma a enxergar o horror e a estranheza sempre de perto, como verdadeiras testemunhas (e talvez comparsas). Essa ambivalência entre o brutal e o bizarro parece se refletir de forma metalinguística no protagonista: estando isolado da sociedade por 15 anos, seu único contato com o elemento humano era uma televisão. Assim como nós, ele se via diante de uma tela, um plano escolhido por outros, sem a capacidade de tomar uma parte ativa em relação às imagens reveladas. Tudo que ele sabia era um recorte da realidade e, portanto, ele mesmo torna-se um recorte distorcido dessa realidade. Como resultado, Dae-Su tem um comportamento errático e, muitas vezes, engraçado de forma não intencional. Em certo sentido, ele é um palhaço no meio de monstros, um ponto de tensão entre duas realidades que não podem - ou não deveriam - convergir.


Porém, sendo esse espelho distorcido do mundo, Dae-Su também apela para a violência para cumprir seus objetivos, onde temos representações bastante gráficas e desconcertantes de seus atos. Mais uma vez, como testemunhas, somos colocados em uma posição ambivalente: ao mesmo tempo em que Dae-Su é uma vítima com um desejo de vingança um tanto quanto justificado, ele também é um torturador sem qualquer peso na consciência. As mesmas imagens que nos aproximam do personagem (e aqui lembro dos planos em que vemos o protagonista literalmente próximo da câmera), também nos distanciam na sua relação com a violência (como quando vemos suas mãos manejando um martelo durante uma sessão de tortura).



Toda essa tensão é potencializada pela direção melodramática adotada por Park Chan-wook. Há uma estilização em cada uma das falas, as dores, os gritos, os dramas e até mesmo na música. Por vezes, o agito musical nos leva para um cenário que até nos lembra dos filmes recentes da franquia John Wick, enquanto em outros momentos nos vemos diante de um drama familiar inesperado. Acaba que o filme segue um caminho que, em certos momentos, chega a ser desnorteador. As informações são passadas com agilidade e mesmo a montagem avança e volta no tempo de forma veloz, traduzindo nesse processo o estado mental de Dae-Su, sempre tão confuso e com sede de mais sangue e respostas.


Como parceiros nessa corrida vingativa, seguimos sendo testemunhas disso, curiosos por mais e, ao mesmo tempo, em estado de choque por tudo que se revela. Mais uma vez, a decupagem integra isso e, em um momento de revelação muito especial, ela opta por um olhar subjetivo que perscruta o objeto da curiosidade de forma quase erótica, voyeurística.

O testemunho do protagonista que dá início ao ciclo de vingança é, afinal, também o nosso testemunho. A consciência da imagem ou a sua materialidade - estamos falando de um filme, afinal - é a evidência de si mesma. Ao termos essa revelação, nosso próprio papel enquanto testemunhas (da violência, do amor, de tudo) ganha um novo significado e, até mesmo, novos contornos morais. E esse questionamento é conduzido até o último frame do filme, tão forte e significativo, mas que também preserva todos os elementos citados anteriormente: a proximidade, a pessoalidade, a ambivalência.


Independente do entendimento que se tem no final, uma coisa é certa: fomos testemunhas e, portanto, também somos parte dessa história.


 

Nota do crítico:


 

Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e Pandora Filmes. Oldboy está em cartaz nos cinemas com restauro e remasterização supervisionadas pelo diretor.


 

Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


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