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Guardiões da Galáxia Vol. 3 (2023) | Quem tem um amigo tem tudo

No terceiro volume de sua ópera espacial, James Gunn amadurece seus personagens enquanto subsidia a narrativa pela amizade



Uma das piores experiências que já tive com o cinema foi assistir Thor: Amor e Trovão (2022). O trabalho deplorável de Taika Waititi deixou um amargo tão forte em minha percepção já desgastada desse universo que, desde então, não havia sequer considerado retornar ao ambiente da sala de cinema para assistir outro filme da Marvel. Reclamo a algum tempo da falta de alma dos últimos lançamentos da companhia, presos às fórmulas enfadonhas, com um humor fora de tom e diretores fantoches, controlados pelos interesses mercadológicos dos “filmes de boneco”. Então, a perspectiva de assistir e gostar de outra ópera espacial do MCU parecia improvável se não fosse por um único fator: James Gunn.


Só pelos dois primeiros filmes dos Guardiões da Galáxia (2014 e 2017) já havia alguma boa substância em seu trabalho no gênero para confiar no diretor, mas especialmente sua visão em O Esquadrão Suicida (2021) me acalentou o coração para embarcar em mais uma jornada espacial com Peter Quill e cia. Gunn é o meio termo mais talentoso da Marvel, não à toa fez brilhar os olhos da DC, no balanço entre sua paixão por quadrinhos e cinema. Com uma rara liberdade advinda do sucesso de seus predecessores, no Vol. 3 ele consegue explorar seus personagens de uma forma muito particular, equilibrando a profundidade do drama protagonista em conjunto com o amadurecimento de todas as tramas coadjuvantes a partir de um mesmo tema, a amizade.



Essa disposição fica muito clara na própria montagem, que divide a narrativa entre o passado de Rocket e a empreitada de seus companheiros para salvá-lo. Durante a apresentação da história do guaxinim, ele interliga o peso de seu primeiro grupo de amigos na formação do personagem ao mesmo tempo que fundamenta a origem e motivação do vilão. Junto disso, cada outro membro da equipe ganha o seu pormenor: o Senhor das Estrelas tem que aprender a lidar com a imagem de sua então amante, Nebulosa desenvolve sua empatia, Drax ganha uma carga paternal e Mantis passa a se impor além do seu papel suporte de outrora. Conhecendo-os ao longo de suas muitas aparições, o terceiro capítulo se preocupa, na iminente perda de um de seus pilares, em amadurece-los.


A partir desse caminho muito bem definido para cada um dos guardiões, mesmo cercado por algumas convenções industrializadas, Gunn imprime bastante estilo na obra. Inclusive, grande parte da sua encenação gira em torno de uma premissa que até seus personagens parecem ter ciência: depois de alguma ação apoteótica, frequentemente eles perguntam uns aos outros se “isso pareceu legal?”, uma representação diegética da maior preocupação do diretor em muitas das cenas, fazer tudo ser o mais maneiro e aventuresco possível. Todavia, mesmo tal abordagem tendo seus bons momentos, por horas ela significa uma dissociação da unidade cinematográfica, construindo cenas apenas pelo peso individual que determinado efeito ou representação possa oferecer sem se preocupar com como ela integra o restante do filme.



Exemplificando, enquanto os dois grandes planos-sequência que apresenta trabalham muito bem a linguagem sendo pensada a favor dos temas do filme, o primeiro centrando Rocket ao perambular por seus companheiros antes de ser apresentado como epicentro da jornada e o segundo como uma representação visual da união do grupo, a cena em que o Senhor das Estrelas é salvo por Adam Warlock numa paródia de A Criação de Adão de Michelangelo me parece tão vazia quanto o próprio personagem de Will Poulter. Algo parecido acontece com o humor que, ainda que incomparável com o que é apresentado no último filme do deus do trovão, tropeça na superficialidade vez ou outra.


Ainda assim, no final das contas, Guardiões da Galáxia Vol. 3 não é só o melhor encerramento de uma trilogia como, possivelmente, um dos melhores filmes que vieram do universo compartilhado da Marvel. Um estudo de personagem muito mais complexo do que um punhado de piadas aglomeradas em uma fórmula que só se preocupa em entregar para o espectador exatamente o que ele quer na expectativa de evitar que qualquer análise mais profunda. Se são “filmes de boneco”, ao melhor estilo de Oz, Gunn acha uma forma de presentear cada um de seus homens de lata com um coração.


Nota do crítico:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


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