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Crítica - Sisu (2022)

Jalmari mergulha em um filme intenso e violento no universo clássico do cinema de ação, enquanto simultaneamente satiriza as convenções da virilidade


Sisu

O cinema, enquanto forma de expressão artística, desempenha um papel na reflexão e representação do contexto social de sua época. Portanto, ao vivermos em uma sociedade machista/patriarcal faz com que ao longo da história, a sétima arte tenha sido predominantemente dominada por figuras masculinas, tanto nos bastidores da produção quanto nas narrativas que, em grande medida, foram direcionadas ao público masculino. Essas histórias frequentemente enfatizavam temas como heroísmo, violência, conquistas galantes e, em essência, eram centradas na experiência do homem. No entanto, ao longo dos anos, houve uma evolução positiva na indústria, embora ainda persistam vestígios do domínio masculino. Um desses vestígios é evidenciado no gênero de cinema de ação, que, para muitos, continua a ser associado predominantemente ao público masculino. Nesse contexto, é importante reconhecer que o gênero de ação não é inerentemente exclusivo para homens, e qualquer afirmação em contrário está fundamentada em ideias erradas.


Diante disso, torna-se interessante observar como a relação do cinema de ação se dá ao homem médio como espectador. É histórico que os homens sempre se espelharam em narrativas de ação, algo inclusive observado até hoje com muitos homens nas redes sociais negando qualquer filme de ação que tenha uma mulher como protagonista. No entanto, nada disso ocorre por acaso, uma vez que a ação tende a apresentar figuras masculinas fortes, com musculaturas exacerbadas, veias saltando, pavio curto, brutalidade, e uma profusão significativa de mulheres, como é o caso dos filmes de Sylvester Stallone e 007. Todas essas características fazem com que o homem médio se idealize como tal, criando a partir daqueles personagens um padrão de masculinidade a ser seguido. Acaba que, por ironia, o homem heterossexual idealiza o corpo masculino e o deseja. No entanto, o cinema de ação mais contemporâneo, ao centrar sua atenção em narrativas masculinas, subverte suas ideias, ironizando o próprio espectador e as convenções tradicionais associadas à virilidade.O ponto crucial é que, se o corpo masculino não é enfraquecido, como ocorre em Missão: Impossível - Acerto de Contas, ele é satirizado, como acontece em Sisu. Dessa forma, alguns filmes mais atuais desafiam as expectativas do gênero, questionando ou brincando com as noções da masculinidade. 


Sisu, dirigido por Jalmari Helander, emerge como uma obra que adota essas caracterizações ao explorar a temática da virilidade. O enredo conta a história de um solitário garimpeiro cujo destino se entrelaça com um pequeno esquadrão nazista em um cenário desolado no norte da Finlândia no fim da segunda guerra mundial. O confronto se desencadeia quando os nazistas, ao roubar o ouro do protagonista, descobrem que ele não é um minerador comum. A partir desse contexto, o filme eleva essas convenções ao explorar as profundezas do corpo masculino, desafiando e superando seus próprios limites físicos. Sisu mergulha no sentido clássico do cinema de ação ao abordar o absurdo do corpo; no entanto, sua decupagem é tão autoconsciente e exagerada que satiriza essas peculiaridades de maneira fenomenal. A estilização formal desempenha um papel crucial, especialmente por meio do uso da câmera lenta, que captura a imponência do homem, e dos planos que examinam um corpo ferido. A câmera adquire um olhar duplo, onde observa o corpo masculino, engrandecendo-o por suas proezas, mas o "ridiculariza" ao espetacularizar pequenas ações, como andar ou fazer uma careta. Essa abordagem não apenas enaltece, mas também subverte a tradicional representação do corpo masculino no cinema de ação, proporcionando uma reflexão inteligente sobre as normas estabelecidas e a interpretação visual desses padrões na sociedade e no cinema contemporâneo.


A presença de referências imagéticas fálicas, por exemplo, adiciona uma camada simbólica intrigante à narrativa, revelando a profundidade das reflexões sobre a masculinidade. De acordo com a psicanálise de Freud, a simbologia fálica exerce uma função importantíssima na compreensão da psique humana, especialmente na compreensão do homem. Esses símbolos fálicos desempenham um papel significativo na expressão do desejo e no entendimento do inconsciente, onde o medo da castração atinge seu ponto máximo. Os meninos desenvolvem esse medo de perder o pênis como forma de punição por seus desejos incestuosos, mas se deixarmos esse conceito de Édipo de lado, temos o receio pelo simples fato de que, para os homens, o pênis confere poder. Dessa forma, a resolução desse medo envolve a identificação com outros homens que compartilham do mesmo "poder".


Sisu, portanto, trabalha de maneira hábil com esses conceitos. Embora possa provocar risos em determinados momentos, toda a ideia dessa caracterização formal reside precisamente no virtuosismo do filme em brincar com as concepções arraigadas de poder masculino presentes no imaginário popular. O anseio do homem comum em se identificar com o protagonista faz com que a ação, a brutalidade e a violência adquiram novas nuances. A clareza dessa dinâmica se intensifica quando Helander emprega as únicas mulheres presentes no filme para despojar completamente o poder dos homens nazistas, que, devido à sua ideologia, se auto atribuem a condição de seres superiores, resultando, assim, em uma sensação de impotência para estes. Sisu, então, acaba proporcionando uma experiência que desafia as convenções sociais da masculinidade, questiona normas culturais e, ao mesmo tempo, empolga e diverte.


 

Nota da crítica:


 

Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


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