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O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz (1952) | Amor na mesa do jantar

O cinema de gênero nos faz sentir a catarse do amor, em suas diversas fases, em Ochazuke no Aji (1952), de Yasujiro Ozu



Aprender coisas novas com quem se ama e amar o que eles amam: isso é amor! E em O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz (1952), o amor arranjado dos protagonistas floresce, após décadas de um matrimônio calculado e frio, quando ambos aprendem que o companheirismo e a simplicidade do dia a dia são os elementos fundamentais para cultivar esse sentimento. Dessa forma, Ozu segue sua temática favorita neste filme, delineando o cotidiano “prosaico” da burguesia japonesa pós-guerra em decadência. Assim, ele potencializa cada mínimo detalhe ordinário e os “manipula” até se tornarem elementos do amor.


Daí, o chá sobre o arroz, quando oxigenado ao ser sorvido, ganha riqueza. O amor de Taeko por seu marido, Mokichi, enriquece também. Dessa vez, a lição de moral dessa fábula “ozuniana” se dá por meio da comida. Seja entre o casal protagonista, que reaprende a amar, ao notar aprender a amar aquilo que o outro ama também enriquece, não apenas a comida, mas a própria relação. Seja pelo jovem casal, que aprende a amar ao conhecer pessoas e lugares novos, tendo a comida como vetor. Assim, ambos alimentam um amor calmo e de pequenas ações, um amor que toca o paladar.


De muitas formas, Ochazuke no Aji é o comunicar problemas, tristezas, e felicidades às pessoas que amamos. E tudo, como sempre em Ozu, de forma simples e simbólica. Chega a ser ultrajante o quanto algo tão trivial, feito de forma tão “limpa”, consiga impactar tão profundamente o espectador em seus filmes. Ou mesmo as particularidades das famílias japonesas à época serem tão universais às famílias atualmente. Afinal, o amor é universal.



Ainda que o longa siga os padrões comuns do diretor é possível perceber alguns problemas estruturais no filme, algo pouco comum nos filmes de Ozu. Alguns problemas na iluminação do ato final, certas estranhezas na montagem que se fazem evidentes e causam alguma discrepância. Embora estes pequenos deslizes não façam da obra uma tragédia em termos de execução, alguns exageros de gênero talvez cheguem perto.


As transições de melodrama para comédia, ou drama, do diretor tendem a ter um estilo “ozuniano” muito próprio: é tudo muito suave e invisível. No entanto, em O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz, essas transições são bastante evidentes e quebradas, o que remete um pouco à Hollywood clássica e a um estilo mais estadunidense de se fazer cinema. O que não é necessariamente ruim, mas definitivamente mais pobre.


Dessa forma, o longa é filmado e montado segundo certos padrões hollywoodianos e com a imagética poética de Ozu pouco menos presente. Num ritmo agradável, vemos uma mulher de família burguesa do pós guerra, inicialmente, repudiar as práticas do proletariado, incluindo o ochazuke. E vemos também a dissolução de certos estigmas sobre a instituição casamento, pendendo entre tradição e modernidade. Enquanto Taeko insiste em manter um casamento “antiquado” e infeliz, sua sobrinha traz ares de modernização e revolta contra as normas dessa instituição. O filme bombardeia o comportamento presunçoso da burguesia japonesa do pós-guerra, embora esteja repleto de algumas ambivalências na sua própria estrutura.



Além disso, é lindo ver a importância de mulheres conversarem sobre elas mesmas, suas convicções, seus objetivos de vida – mesmo que focados, em grande parte, no contexto conjugal – e interesses. Sendo essas conversas, no filme, fator decisivo para mudanças de rumo no desenrolar da história. Ainda, união feminina não parte só da sororidade em apoio, mas de permitir a crítica, autocrítica e certos “tapas de realidade” entre as amigas. Afinal, se não fosse a observação brutal da amiga, Taeko terminaria sua vida como uma mulher infeliz. O que não seria nada feminista!


Porque há mesmo uma diferença brutal entre apenas falar sobre homens e falar do comportamento de homens e mulheres para se pensar o que seria uma vida agradável ou um relacionamento saudável e feliz. Isso é cuidar umas das outras também. E talvez este seja o filme de Ozu com maior participação feminina em tomadas de decisões sobre suas próprias vidas e protagonismo “quanti” e qualitativo, pois elas saem de um local de submissão “ao que é correto” e partem para um local de serem desagradáveis e contraditórias antes de perceberem as coisas certas. São de fato as personagens mais completas, para além do contexto de mãe; de proletária e de dona de casa, dentre os filmes do diretor.


Por fim, O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz é mais um lindo hino, com certas instabilidades incomuns ao diretor, à trivialidade, pois o filme fala do supremo prazer numa singela porção de arroz com de chá verde sorvido junto a quem se ama, numa mesa de jantar.


 

Nota da crítica:


 

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