top of page

BlackBerry (2023) | Uma trama de perdição

Uma biografia de marca que se apoia na ganância e no fracasso como força motriz para romper a barreira do branding



As biografias de marca são a nova grande tendência no cinema estadunidense. Elas pegam uma história envolvendo uma ou outra grande indústria e, com o aval propagandístico da própria, se propõe a contá-la de um ponto de vista completamente desestimulante. O problema não é nem de longe ser imparcial, afinal, toda obra de arte é, a grande sina desse novo cinema é o quanto ele já nasce domado pelas próprias marcas que retrata. A sensibilidade crítica da 7ª arte fica em cheque quando ela só pode enxergar os acertos das personagens em uma jornada que só os glorifica. Juntando isso com o desinteresse em construir algo através da linguagem e a tentativa de resolver todos os problemas do mundo em todo filme, temos uma iniciativa bem pior que os filmes de boneco dos anos 2010.


Grandes histórias empresariais têm alguns pontos comuns que, obviamente, esses filmes tentam esconder na construção de sua própria narrativa miraculosa, esperançosa e otimista. Ninguém alcança tamanho sucesso no mundo dos negócios apenas com boas intenções e força de vontade, há muita obsessão, ganância e um mar de qualidades traiçoeiras que os publicitários tentam disfarçar. Na tentativa de preservar uma boa imagem para a marca, esquecem as principais bússolas para guiar sua trama.



Justamente por isso, é injusto enquadrar BlackBerry (Matt Johnson, 2023) nessa categoria. Ainda que não se iguale a eles, o lançamento lembra muito mais O Lobo de Wall Street e A Rede Social do que Air: A História Por Trás do Logo e Flammin’ Hot: O Sabor Que Mudou a História (expoentes do tipo de filme descrito no primeiro parágrafo com subtítulos ridiculamente prepotentes). Tudo isso pois Johnson, que também atua, não se preocupa só em contar pura e simplesmente os acontecimentos, mas olha para seus significados e faz um filme sobre eles e que, de supetão, conta uma história.


Temos aqui dois empreendedores, um engenheiro e um clássico homem de negócios, com objetivos que vão sendo dispostos aos poucos. Este sonha em comprar um time de hóquei no gelo e aquele tem o desejo intrínseco de produzir os melhores dispositivos móveis possíveis. O caminho escolhido por eles mescla inovação e ganância e acaba desembocando na perdição em duas instâncias separadas.


Mike ojeriza equipamentos sem qualidade e sua maior vontade é produzir aparelhos o mais próximo da perfeição possível. Ele até mesmo se refere ao BlackBerry como o “melhor celular do mundo” em muitos momentos do longa para comprovar essa obsessão, como se estivesse cumprindo um bem maior. Do outro lado, Jim adora hóquei e ouvimos isso em seu rádio desde a primeira cena do longa. Ele tem seu trabalho engravatado e acompanha o esporte de longe, mas, ao ser demitido, é o hóquei que passa em sua TV quando aceita a proposta de Co-CEO da RIM. Mais tarde, descobrimos que seu grande objetivo sempre foi ter o suficiente para comprar um time na NHL, entretanto, suas péssimas práticas corporativas o fizeram ser negado por todo o conselho da liga. Da mesma forma, Mike termina o filme com um dispositivo tão ruidoso quanto o que concerta no começo.



Esses personagens se perdem e o filme é sobre isso muito antes de ser um estudo de caso da companhia. É a ganância que move Jim a subir o valor da empresa e contratar tantas pessoas por métodos escusos. Ao querer passar a perna e se vangloriar do alto de sua torre de marfim, o empresário perdeu a oportunidade de realizar seu sonho e deixou seu parceiro de negócios a ver navios. Ao ter que lidar com a politicagem em um mundo sedento por inovação, o engenheiro deu um passo maior que a perna e foi obrigado a ceder seu padrão de qualidade. É tudo uma grande cadeia de eventos e o diretor confia na força dessa proposta.


E é acreditando em sua abordagem que, no meio do frenesi da linguagem quase documental que emprega e com uma câmera tão inquieta quanto o mercado em que os empreendedores estão, o filme acha espaço para algumas reflexões silenciosas. A cena em que Mike vai conferir o carregamento do novo BlackBerry Storm e se frustra com o resultado é um ótimo exemplo. Esse momento se alonga, deixando tanto o espectador quanto o personagem meditarem em como tudo culminou àquilo, como eles estavam tão perdidos em seus objetivos que só viram um novo futuro chegando quando já era tarde demais. Ele não tem medo de ser rápido, mas sabe que a sua verdadeira potência reside no silêncio, na pausa que deixa para o público processar tudo aquilo que lhe foi despejado pelas duas últimas horas.


 

Nota do crítico:


 

Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


bottom of page