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A Incrível História de Henry Sugar (2023) | Público e obra entre vitrais

Wes Anderson explora um universo de metalinguagem para imprimir a tradição oral no cinema



Ainda que tenha desenvolvido um estilo cinematográfico único, marcante e celebrado, Wes Anderson puxa muito da literatura. Não somente em um quesito textual, mas também visual. Alguns de seus filmes contam com o abrir de livros e a ideia de que sua encenação é a materialização da própria imaginação e como encara aquela história, isso tanto em adaptações diretas como O Fantástico Sr. Raposo ou em adaptações mais abertas como O Grande Hotel Budapeste. Neste último, inclusive, já há a proposta de contar uma história dentro de outra, o que, em seus trabalhos mais recentes, se tornou sua força motriz.


Esse mergulho que submerge o espectador à várias camadas dentro de uma mesma narrativa, aliado com seus sets e design de produção teatral e constantes narrações que apresentam e guiam a história de um ponto de vista onisciente tornam seus filmes em um grande show metalinguístico que não se importa em quebrar a quarta parede. Em resumo, é pelo cinema que ele perpassa a multiplicidade de experiências frutos de outras artes, seja na forma ou no conteúdo.



Em A Crônica Francesa o diretor começa a forçar o conceito e a quebra de uma forma mais direta. Ao invés de livros, ele se debruça sobre a estrutura crônica de uma publicação ácida e, referenciando muito a The New Yorker, transforma o conteúdo editorial em audiovisual. Asteroid City, seu último longa, não é tão diferente e se apoia no teatro e televisão dessa vez. Acompanhamos um locutor narrar como um dramaturgo escreveu uma peça que, por sua vez, é interpretada em tela. Fora da quebra lógica, em que um narrador fala diretamente com o público, um dos personagens da peça interpretada sai da apresentação para tomar um ar.


Se em O Grande Hotel Budapeste a divisão entre entrevista e aventura são bem marcados, por mais que se sobreponham, aqui essa parede é muito mais fina. Enquanto a barreira entre o espectador e a encenação é quebrada por um narrador, a barreira entre uma peça e o universo em que é encenada é quebrada dentro do próprio filme e sem sair da mise-en-scène que é apresentada ao público. Já tendo explorado livros, revistas, crônicas, televisão e teatro firulando a quarta parede como bem entende, em A Incrível História de Henry Sugar, seu novo filme pela netflix, ele olha para uma forma muito mais primitiva da contação de histórias, o boca a boca, enquanto dilacera de vez qualquer divisão que possa existir entre nós e o curta que nos está sendo apresentado.



No curta é como se, ao invés de erguer uma parede e então derrubá-la, o diretor construísse um vitral. Assim; ainda que escancare o fazer cinematográfico, os cenários móveis e teatrais e a fala diretamente conosco independente de quantas camadas metalinguísticas estipule; por mais transparente e direto que seja, transforma a luz que passa. Ele oferece uma projeção muito mais colorida, alegre e cômica tanto da arte que representa e utiliza quanto da própria história. Se em cada arte homenageada ele achou um jeito de transporte ao cinema, com a tradição oral não poderia ser diferente, então, em suas múltiplas camadas, vai desde um narrador onisciente até a transcrição de um texto em primeira pessoa.


É enervante ver um diretor que, por mais que tenha caído nas graças da cinefilia justamente por sua excentricidade, não tenha ficado na mesmice e se proponha a explorar o cinema e seu próprio estilo em uma abrangência de capacidades. A Incrível História de Henry Sugar é uma ode a contação de histórias em toda sua variedade de elementos, um curta com dimensão de longa que consegue se equilibrar mesmo em meio a uma narrativa tão complexa e com tantas dimensões.


 

Nota do crítico:


 

Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


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