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A Vitória de Lula e o Cinema Nacional

O que a vitória de Luís Inácio Lula representa para o cinema nacional - e o que fazer a partir disso



Aproximamo-nos do final do ano de 2022. Já algumas semanas após o fim das eleições, nós, editores da Singular, queremos deixar uma mensagem para o ano que está por vir: primeiro, temos de comemorar a vitória de Luiz Inácio Lula, que, diante da maior ameaça fascista de nossa época, triunfou sobre um bolsonarismo que ainda segue forte no nosso país enquanto manifestação política - pois este não há de acabar numa simples eleição. Derrotar o bolsonarismo significa realizar trabalho de base e mobilização popular, significa o povo compreender sua situação com perspectiva de classes e compreendendo a origem do fascismo brasileiro contemporâneo: o neoliberalismo, que até recentemente não era componente estruturante do fascismo, mas veio a ser como modo de atender às exigências da burguesia rentista que vem sobrepondo a industrial, este neoliberalismo é o cerne do que se tornou o bolsonarismo, dentre muitas outras características. As políticas neoliberais iniciadas sobretudo no governo Collor e a conciliação de classes articulada nos governos do PT, sem fazer um enfrentamento real à burguesia nacional e ao capital estrangeiro, mas, ao contrário, forçando os projetos dos governos Lula e Dilma mais à direita para atender aos interesses das classes dominantes, levaram-nos à situação calamitosa à qual chegou o Estado brasileiro no ano de 2022. Trazemos tudo isso para falar, claro, de cultura - e sobretudo, de cinema.


Apesar dos notados crescimentos na produção cinematográfica sob o governo Lula de 2003 a 2011, precisamos nos ater a questões muito importantes que jamais foram resolvidas. Num contexto em que a indústria nacional de cinema havia sofrido um verdadeiro desmonte (só comparado, talvez, ao atual) sob o governo Collor com o fim de nossa produtora, a Embrafilme, o que ocasionou uma entrada maciça de produções estrangeiras (principalmente hollywoodianas) que atenderam a demanda popular por novos filmes, demanda que foi abandonada pelo cinema brasileiro - que antes da aniquilação da produção nacional, enchia as salas com filmes consumidos em larga escala; é necessário observar que o grande problema da construção de público nacional, ocasionado pelas políticas neoliberais de Collor, jamais foi resolvido: os governos petistas não reestruturaram a Embrafilme. No seu lugar, temos a Ancine, que é uma agência reguladora e não uma produtora especializada na elaboração de obras audiovisuais nacionais. Com isso, segue a hegemonia do cinema estadunidense no nosso país e, mesmo as grandes produções que realizamos atualmente estão encharcadas do domínio cultural de Hollywood, resultado do que foi o chamado “Cinema de Retomada”: uma tentativa de recuperar o público brasileiro para os filmes nacionais transformando os filmes do nosso país em reproduções do que era feito em Hollywood - um fracasso que tem, dentre outras razões, como uma das principais e mais óbvia, o fato de que nós jamais faremos cinema americano como os americanos (e isso não é um demérito, pois o nosso cinema já foi, nas décadas de 60 e 70, o que há de mais forte e instigante na produção cinematográfica mundial, mas para isso precisou ser, antes, profundamente brasileiro). Ademais, o soft power estadunidense é incomparável e tentar copiar suas “fórmulas de sucesso” não é capaz de trazer as soluções que somente a ação política é capaz de realizar.


Então, há muito pelo que se lutar. Não podemos de forma alguma esquecer que o governo de Lula, como um social-democrata, tenderá sempre (como vem acontecendo) à direita, como maneira de manter sua capacidade de articulação política. Mesmo no passado, quando era uma das mais fortes figuras políticas da América Latina, Lula articulou governos de profunda conciliação de classes que não resolveram os problemas estruturais do nosso país, incluindo na área da cultura. Ao contrário de outras experiências da esquerda latino-americana, os governos petistas nunca foram verdadeiramente reformistas e, com suas políticas sociais-liberais que cada vez mais tendem à direita, não há de se esperar muito (ainda mais com o legislativo eleito) se não pela ação popular. O PT ao longo dos anos transformou seus militantes em meros eleitores, mas aqueles que militam pela política do dia a dia (e não apenas de quatro em quatro anos), ainda existem e nós da Singular queremos nos apresentar como um braço destes. Por isso, este editorial não há de ser menos claro: é necessário recuperar a produção cinematográfica nacional sob uma produtora estatal fortalecida, combater de frente o colonialismo cultural adotando políticas públicas como o ensino de cinema nas escolas, bem como medidas (muitas, que tornariam este editorial longo demais) de facilitação do acesso à cultura, de modo a construir um cinema nacional soberano e popular. Nada destas coisas que defendemos surgem de nossa cabeça - elas possuem lastro na realidade material: vimos nossa produção e interesse do público pelo cinema nacional crescer exponencialmente enquanto a Embrafilme tomava as rédeas da produção cinematográfica; bem como, no alvorecer do cinema, a Mosfilm permitiu que o cinema soviético fosse uma das mais fortes vanguardas da história das artes. A exemplo do ensino de cinema nas escolas, temos nossos irmãos argentinos, que fortaleceram a cultura cinematográfica de seu país deste modo. Por isso, afirmamos: há muito o que se comemorar, sim, na vitória de Lula contra o genocida Jair Bolsonaro. Porém, há muito mais pelo que se lutar, pois acreditamos na frase do mestre Júlio Bressane: “filmes raros e extraordinários como Limite podem ser feitos 5 por ano, não um em 50 anos”.


 

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