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Titanic (1997) | Um amor impossível, uma tragédia incontornável

Na interseção entre o amor e a tragédia, o idealismo e a justiça se tornam personagens de James Cameron em uma história sobre luta de classes, ganância e poder



Eu devia ter 13 anos de idade quando assisti Titanic pela primeira vez. Ainda lembro como se fosse hoje de ter ligado a televisão e ter encontrado o filme na programação do canal Megapix, na minha TV a cabo. Lembro também da decisão de assistir: era um filme muito popular e eu me sentia como se fosse a única pessoa em todo mundo que nunca tinha visto. A história de Jack e Rose já fazia parte do Cinema e do Entretenimento como um todo há muito tempo quando eu, de primeira viagem, embarquei na história de Titanic. Logo eu, uma passageira sem muito interesse, bastante jovem, com poucas vivências e, hoje percebo, uma visão extremamente limitada sobre tragédia e amor e o quanto esses dois temas sempre estiveram tão intrínsecos um com o outro.


Quando o filme terminou, eu odiei. Desliguei a televisão completamente revoltada: como podia uma história tão linda de amor terminar em tamanha tragédia? Naquela época, eu detestava tudo que não terminava como eu queria que terminasse. Uma pequena romântica idealista que, diante de muito mimo, detestava a ideia de um amor que não tivesse um “felizes para sempre” depois da cena final. Lembro da raiva que nutria por Romeu e Julieta e demais histórias trágicas shakesperianas, e do quanto a injustiça disso tudo me deixa profundamente triste. Talvez, fosse essa, a raiva, a minha forma de demonstrar minha insatisfação com um mundo que eu via sempre como tão injusto. Porque Jack deveria morrer? Logo ele? Não fazia sentido. Para mim, todos que amavam essa história eram igualmente masoquistas.



Muitos anos passaram, para ser exata, mais de dez, quando decidi que deveria rever Titanic. Mas, nunca me parecia ser uma prioridade ou a “hora certa”. Digamos que rever esse clássico que eu odiei (tanto a ponto de logar uma risível nota de 0,5 estrelas na época), era um alto risco. Além de ter três horas e quase vinte minutos de duração, não parecia ser o tipo de filme que eu realmente ia gostar. Com o adendo de que, por ser muito famoso e estar sempre sendo mencionado, eu sentia que sabia tudo que deveria saber sobre ele então, pra quê se incomodar?


Com a volta de Titanic aos cinemas, em 3D e em comemoração ao aniversário de 25 anos de seu lançamento (a idade que estou próxima a fazer, por sinal), decidi assistir. Meses antes eu já havia mordido minha língua sobre James Cameron quando me deslumbrei com o universo de Avatar: O Caminho da Água na tela do cinema. Quando houve essa reexibição, tomei a difícil decisão de confrontar meu eu mais jovem e dar uma nova chance ao meu novo olhar, hoje com maior distanciamento e maturidade. E, sem pestanejar, foi uma das melhores decisões que eu tomei.


Não é exagero dizer que a história do naufrágio da até então maior embarcação do mundo, uma tragédia datada de meados de 1910, jamais seria tão interessante de ser contada se não fosse pela história de amor, triste, enérgica e apaixonante de Jack e Rose. Poderiam ter sido feitos - tanto que foram e ainda serão por muitos anos - vários filmes sobre o Titanic, cuja escolha de roteiro seguisse um caminho muito mais óbvio, onde o foco fosse a história simples e direta sobre esse acidente de proporções gigantescas e a obra ainda seria, provavelmente, muito comovente, mas dificilmente seria tão marcante.



Se feito por outro diretor, ou fosse fruto de uma outra época, Titanic talvez tivesse escolhido outro caminho. Mas, justamente por ter escolhido abordar cada detalhe da maneira como escolheu, se tornou tão inesquecível para tanta gente. Esse é o seu maior mérito. É um dos exemplos raros no Cinema de quando uma boa técnica se une a um largo orçamento, um bem selecionado elenco, um diretor fora da caixa (mas ainda com uma boa e extensa compreensão do público-alvo) e uma música tema extremamente marcante. Quando todos esses elementos se unem a um apelo político-social, ainda por cima, é quando sabemos que temos uma obra que sobreviverá aos efeitos do tempo e, mesmo 25 anos depois, reafirma toda a sua importância como se fosse feita ontem.


O dilema moral da personagem de Kate Winslet, por exemplo, continua fazendo mais sentido que nunca. A posição de inferioridade a que se submetem tantas mulheres na sociedade, por força de um machismo enraizado e violento, até hoje, é uma história que vale a pena contar, independente se a questão data de 1910, 1997 ou 2023. Violência doméstica, casamento por sobrevivência financeira e muitas outras questões abordadas pelo filme a partir desta personagem, representam as dificuldades colossais enfrentadas por mulheres que parecem estar eternamente condenadas pelo peso de suas escolhas - e espartilhos apertados que, hoje, mudaram apenas de forma dado um inteiramente novo mas igualmente opressor, padrão de beleza.


Dentro daquela história maniqueísta e cheia de subtextos críticos sociais, a pureza e a intensidade do amor que Rose sente por Jack está diretamente relacionada à liberdade sexual e de escolha que uma mulher deve ser capaz de fazer ao assumir o controle da própria vida, como deve ser. Ao deixar as imposições sociais e as cobranças familiares de lado, a personagem representa o que há de mais puro e justo em uma sociedade que, se idealisticamente pensada, deveria reagir a essas problemáticas. Rose representa a justiça pois sabe que o que passa naquele noivado está longe de ser o certo, sabe que não deveria deixar Jack afundar nos porões do navio e deve voltar para salvá-lo, sabe que não é justa a divisão do bote salva-vidas, desde o princípio e sabe, ultimamente, que deve fazer a coisa certa. Não importando o fim que isso irá levar.



Já Jack, em complemento, representa a síntese desse idealismo puro que vislumbramos em Rose, pois ainda que possua um conhecimento maior que ela sobre as dificuldades inegáveis do mundo fático, que não conta com os privilégios de uma fortuna ou um nome, acredita que a única vida que vale a pena ser vivida é aquela onde perseguir os seus sonhos e viver conforme o que acredita seja a prioridade. Jack Dawson é um idealista, que morre, de forma simbólica, em uma situação trágica onde a luta de classes se abre em um verdadeiro abismo entre vida e morte. Onde é palpável e cruel a distinção feita entre aqueles que podem escolher a salvação e aqueles que estão destinados ao sofrimento (algo que também podemos vislumbrar um pouco na personagem de Kathy Bates, por exemplo).


A mãe de Rose, no entanto, é uma mulher odiável. Ela é essencialmente injusta e escolhe a injustiça, todas as vezes. Oportunista, enxerga que põe a filha em uma situação difícil, mas continua escolhendo mantê-la em uma espécie de cárcere privado onde as grades são o inevitável casamento. Contudo, o mal pelo mal mesmo vai estar mais presente nas figuras masculinas da história, que são movidos pela ganância, pelo poder e pela violência. Seja pelo personagem que existe puramente para representar o mal, como é o caso do Loverjoy, como aqueles que são maus por serem essencialmente egoístas, como é o caso do Hockley.


Fato é que todos esses personagens, juntos, sintetizam em suas dinâmicas o que iremos perceber na tragédia final. O micro, a história de amor e dinheiro que acontece dentro desse grupo muito específico de personagens daquele navio, reflete o que irá acontecer no macro, no enorme evento que irá, ao fim, marcar os diferentes destinos de mais de 2 mil pessoas. A forma que James Cameron encontra de costurar essas duas histórias é, simples e puramente, unir os pontos que irão aproximar o romance e a tragédia das suas faces comuns, o que há de mais inconsequente, rebelde e devastador.



A história de amor avança e se torna mais intensa na mesma medida em que o navio caminha mais rapidamente em direção ao iceberg e a destruição total. O amor entre Jack e Rose, completamente impossível desde o princípio, naufraga como o barco que se dizia inafundável. Dizer que Jack poderia sobreviver é, na verdade, ir de encontro à ideia principal do filme cujo naufrágio para mim se torna uma nítida metáfora ao ato de amar de forma desmedida, descontrolada. Tão intensa que o final infeliz se torna impossível de contornar, como uma chama que, desde o princípio, está destinada a apagar.


Pois, além de não poder ser eterno, o sentimento que nasce ali é fruto de um ato de rebeldia que irá confrontar uma divisão muito maior e significativa, entre ricos e pobres, entre o poder e a justiça. Os idealistas, portanto, estão fadados a morrerem (mesmo que simbolicamente, metaforicamente), em uma sociedade que rejeita suas ideias e seu estilo de vida. Cameron acredita nesta mensagem e propaga ela na grande maioria dos seus filmes, que sempre irão tratar de amor, família, justiça e, claro, o papel da maldade que mina tudo isso e gera tantos conflitos aos seus protagonistas justos e heróicos.


Ainda, do ponto de vista técnico, Titanic é mesmo revolucionário. O diretor de fato nunca foi capaz de fazer algo pela metade, com pouco afinco ou esmero. Muito pelo contrário, quando se dedica a fazer um filme, seja sobre o universo de Pandora ou uma tragédia no Atlântico de 100 anos, Cameron pensa fora da caixa. A maquete utilizada em Titanic e as técnicas que são empregadas a partir deste pequeno universo manufaturado são tão verossímeis para nos passar aquele senso de tragédia iminente, de luxo e superlotação, que acabam se contrastando com a história central e idealizada de amor.



Esse confronto entre a forma, retratada tão fiel ao evento e à realidade dos fatos, em contraponto com o uso de flashbacks (uma narrativa não-linear), diálogos simples e personagens que representam o bem e o mal, é constante. O diretor não torna os personagens complexos ou suas histórias muito difíceis de entender, mas é esse caráter sempre autoexplicativo de seus filmes que os tornam tão honestos. Titanic é uma obra que define o cinema de Cameron, sem dúvidas. Se pauta nos pilares do que ele sabe fazer de melhor: unir a tecnologia, aos conflitos sociais e morais, o estilo clássico de histórias populares à cenas de tirar o fôlego. Ele é o maestro da obra, domina a câmera, os cenários, o público e dita o ritmo, manipulando nossas emoções da ansiedade às lágrimas.


Para a jovem eu, revoltada por não ter entendido que as coisas nem sempre terminam da melhor maneira (ao contrário), enxergar novos pontos anos depois neste clássico filme, é uma forma de entender também um pouco da minha relação com o Cinema e a evolução de tudo isso. É importante reconhecer e reavaliar nossos gostos pessoais, revisitar obras da nossa infância, especialmente as que não gostamos. São essas que podem ter um impacto muito maior do que imaginamos, nos surpreender e nos fazer refletir, algo que só a arte é capaz de nos proporcionar.


Nota da crítica:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:




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