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Subterrânea

Sem se prender a nenhuma fórmula, Subterrânea é excepcional em traçar sua crítica priorizando sua utilização da forma sem se dobrar ao conteúdo.

Em um Brasil que se esforça diariamente para relembrar suas origens, Subterrânea, novo filme de Pedro Urano, parece ser um respiro agonizante de significados e tentativas que exploram desde urbanização até ganância, bagagem histórico-cultural e imperialismo à brasileira. Com uma narrativa conturbada, que não se prende a nada, ele desenha personagens através da verborragia e impressiona com um dos filmes mais excepcionais da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes.


Urano fundamenta uma crítica que, se forçada um pouco, traça um paralelo ao fantasioso e eurocêntrico trabalho de artistas como Spielberg e Júlio Verne, caçando tesouros, desbravando ambientes fantásticos e, como o próprio diz, “fazendo a maior descoberta científica do século”. Todavia, essa utilização não soa como uma homenagem pomposa e sim como uma estilização. Abusando da super explicação que faz para cada ponto do roteiro, ele mostra ao espectador que, quando confrontado com o sentimento e o bizarro, o teórico sucumbe ao prático.


Da mesma forma que se desvenda, o uso de leitmotivs é constante, destrinchando quais momentos se conectam diretamente com a história central, sempre exercitando essa invasão narrativa. Dá para dizer que ele sabe usar a eficiência desses recursos ao aproveitar seu resultado no subconsciente e ainda confrontá-los tanto tematicamente quanto tecnicamente, sobrepondo-os com diversas experimentações.


O diretor imprime muito bem um estilo no filme. Ele não resume sua obra a um ou outro gênero e usa qualquer artifício para flexionar a forma em prol daquilo que quer contar. Vai do documental ao experimental, do terror à aventura, da ficção científica ao passado histórico carioca sem nenhuma amarra.


A criação de um Rio de Janeiro subterrâneo, obscuro e anacrônico também se destaca muito. A relação com o meio urbano não é simplista, não se agarra aos mitos usuais, muito pelo contrário, cria os seus próprios e se desenha através do passado antes sem relação da cidade. Em obras que evocam esse sentimento é comum ouvir que “a cidade é uma personagem”, mas eu não acho que ele, assim como não acontece em nenhum outro momento, se prende a isso. Aqui o Rio se expande e revela uma nova faceta da sua existência, não é como se pudesse ser alterado pela presença mundana dos protagonistas.


A cena final é a mais significativa na concretização da crítica, enquanto o petróleo flui pelo meio natural, um organismo envolve a câmera em uma imagem que (incrivelmente) é documental. Essa presença agarra o quadro e o sufoca. Quando lê-se na bíblia que “no Brasil governar é criar desertos” não se refere apenas a destruição do ambiente, mas também a sua dominância e a cegueira que omite a semente e exalta o fruto.


Dentro de tudo isso, ainda acha espaço para retoques niilistas. O meteoro, mais velho que a própria Terra, resiste a todas as destruições. Sua presença imponente faz questão de lembrar que somos uma vírgula e que, um dia, também seremos petróleo. Subterrânea é o retrato de um Brasil que, no meio do seu desbravamento científico, prosperando em todos os âmbitos, se perde pela ganância e não acha espaço para retomar seu progresso.


Nota do crítico:

O filme está disponível no site da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

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