top of page

Skinamarink (2022)

O novo terror canadense trabalha, de modo experimental, o medo infantil que preenche espaços vazios e dá vida aos mais inofensivos objetos



Quando eu era criança, uma das coisas que mais me dava medo era a TV na madrugada. Aquele som de estática ensurdecedor; o silêncio falso que, quando isolado no calar da noite, era desmascarado como um leve ruído; as falhas de sinal que distorciam as mais simples imagens gerando outras perturbadoras no processo.... O objeto mágico que me confortava durante o dia mostrava seu potencial amedrontador durante a noite. Esse é mais um sintoma de como a mente infantil lida com o medo - moldando a realidade sentida de forma que até mesmo um ambiente de conforto carregue um potencial assustador. É a partir disso que Kyle Edward Ball nos leva numa jornada de sentidos aos cantos obscuros de uma casa comum.


Deixando de lado qualquer necessidade de contar uma história fechada ou trabalhar temas sociais e metáforas, coisas que já foram assumidas como o lugar comum do cinema de terror atual, o diretor canadense tem liberdade para explorar diversas possibilidades com o gênero. Cada sequência funciona como um exercício de terror essencialmente cinematográfico, pois trabalha com maestria ambos imagem e som - e não só o que está enquadrado, o que conseguimos ver e ouvir, mas também (e principalmente), o que vem de fora. Enquanto observamos algum canto da casa num plano mais fechado e pouco iluminado, tudo que não está no plano soa ameaçador, como se a qualquer momento aquela suposta “segurança” do olhar direcionado pela câmera pudesse ser quebrada. Mas mesmo essa segurança se mostra falsa, já que a imagem granulada e a escuridão impedem que vejamos até o que está em tela com clareza. Nada parece realmente sólido, e, portanto, tudo é possível.



Ao longo do filme, a sensação de claustrofobia vai ficando cada vez mais forte, à medida que as portas e janelas da casa vão sumindo. Qualquer possibilidade de escape daquele “laboratório do medo”, no qual o “monstro” (com as crianças) e o próprio diretor do filme (com o espectador) brincam de ser Deus, é completamente anulada. Quando aparentemente não há mais saída (e nem pessoas vivas), a única barreira que separava o monstro de nós é finalmente quebrada - a “quarta parede”. Dessa forma, extrapolando as características do cinema moderno, nosso olhar é violentado e o medo atravessa a porta da tela. É como se, ao sermos tirados do conforto da posição voyeur, voltássemos a ser crianças.


Skinamarink explora o poder do cinema de criar e moldar realidades sob uma ótica do medo para simular o potencial imaginativo de uma criança e, assim, criar uma experiência única e marcante que se conecta facilmente com memórias de infância.


Nota do crítico:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:



bottom of page