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Serial Kelly (2022) | A morte do empoderamento

René Guerra estreia seu primeiro longa trazendo empoderamento feminino forçado e discursos que se perdem em um filme que definitivamente não é sobre Serial Killers



Logo de cara é perceptível o esforço do filme de retratar mulheres de uma forma forte e empoderada, primeiro em dinâmicas entre si e depois com homens. É possível destacar além de Kelly (Gaby Amarantos), a breve participação de Faísca (Aline Marta Maia) e a delegada (Paula Cohen) como essas figuras femininas que forçam um empoderamento com uma necessidade de dominar e impor sua autoridade. Entre elas, fica fácil crescer uma para cima da outra, mas quando a conversa é com outros homens, o cenário é diferente. Ainda que o filme venda uma ideia de história divertida sobre uma mulher assassina, o verdadeiro ponto de Serial Kelly está em falar sobre essas diferenças de gênero e assim, muita coisa se perde ou fica solta na história.


Nos últimos tempos é notável o quanto o cinema tem tentado passar mensagens fortes e empoderadoras, principalmente quando olhamos filmes americanos genéricos de streaming, mas no Brasil também existem esses esforços. Quase sempre o resultado parece saído de uma thread do twitter, sem personalidade nenhuma, vazio e só com frases prontas. Aqui, René Guerra parece cair nessas armadilhas, mesmo que esteja claramente cheio de boas intenções e que consiga sim trazer alguma personalidade para sua obra.



Ainda que a atuação de Gaby Amarantos não seja das melhores, não destoa tanto do restante do elenco e da própria narrativa, ao não ser pela cena com Faísca, em que fica um tanto desigual no embate entre as duas. Muitos personagens são praticamente caricaturas e alguns ficam soltos no longa, sem parecer ter um objetivo claro. Um exemplo é a comunidade de travestis que abriga Kelly por pouco tempo, um pedaço de história que parece que vem do nada e vai pro nada mais uma vez. O ponto que poderia ser extraído desse recorte é uma diferença no julgamento, quando uma travesti é assassinada violentamente, não há comoção da população, nem busca pelo criminoso. Já, quando Kelly mata um pastor, a tratam como serial killer e a caçam por todo estado de Alagoas, com a mídia e a polícia dando máxima importância ao caso. Mas, é preciso se esforçar muito para tirar um grande significado aqui, já que o próprio filme deixa tudo muito desconexo.


O fato é que a cantora de brega não passa nem perto de ser uma serial killer, quiçá uma psicopata. As mortes mostradas são motivadas por algo, o empresário que bebia e só dava problema para ela e o pastor, marido da irmã, abusivo e controlador, são homens que ela não mata apenas por prazer. Na verdade, não há nada que indique que Kelly sente algum prazer em matar essas pessoas, se aproximando muito mais da ideia de que ela comete tais atos por um instinto de justiça e sobrevivência, ou talvez até por acaso. Isso também é apoiado pela história de traumas que a cantora viveu no passado, construindo uma mulher que se impõe e é forte por ter sempre apanhado muito da vida, então acaba se livrando daqueles que a causam algum mal. Ainda assim, nessa ideia de que ela seria uma serial killer, o longa mais uma vez se apoia nas diferenças de gênero, usando a delegada Fabíola com discursos didáticos e forçados para explicar que Kelly só está sendo julgada dessa forma por ser mulher. Esse apoio feminino fica um tanto contraditório às vezes, já que no começo a delegada enfrenta fortemente Kelly mas depois parece que começa a querer protegê-la e até a diminuir quando diz que é “apenas uma mulher” enquanto a polícia não a subestima, pelo contrário, a trata como uma grande ameaça.


É curioso também que Guerra se importe em construir essas mulheres tão fortes, principalmente Kelly, baseado em pontos tão batidos. Fabíola precisa se impor por trabalhar numa área predominantemente masculina e tem que batalhar por seu espaço e para que sua autoridade seja respeitada, mas, na primeira chance, usa seu corpo para conseguir informações, algo inesperado de alguém com seus valores. Kelly tem seus traumas já citados que carregam sua personalidade, mas quando falamos de sua carreira de cantora, pouco é investido em mostrar se este é um grande sonho dela, se ela ama fazer o que faz, tudo é bem decadente mas não parece a abalar. Outro ponto confuso é que ao fim, ela se alia a um homem, algo que rejeitou desde o começo.


O maior problema de Serial Kelly é vender algo que não é realmente, e forçar demais a barra para ser um filme empoderado. A pluralidade no elenco e as pautas são válidas, mas a forma é fraca e deixa muitas pontas desse discurso político soltas, que demandam um tanto de esforço para que se extraia tantas conexões e significados. Em contrapartida, tem momentos divertidos e uma trilha sonora muito interessante. Com certeza o ponto alto é a versão brega de Psyco Killer, do Talking Heads, que é possivelmente o único ponto memorável dessa obra.


Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e Vitrine Filmes

Serial Kelly chega aos cinemas em 24 de novembro.


Nota da crítica:

2/5





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