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Rosa Tirana

Trabalhando com noções amplas como povo, raça, cultura, natureza e mitos, o filme conflita a pequenez infantil com toda a grandiosidade do mundo que a cerca.

O Sertão nordestino, em oposição a sua improdutividade germinativa, sempre foi um terreno muito fértil para o desenvolvimento mitológico brasileiro. Com uma base fundamentada na clássica jornada do mártir cristão com grandes porções dos mitos da terra, Rosa Tirana traz na mágica de seus elementos a realidade sertaneja e, como se isso não fosse o bastante, ainda faz questão de brincar com o horror atrelado diretamente ao ambiente físico.


A primeira assinatura de Rogério Sagui na direção demora um pouco para engatar e, em um primeiro momento, se apoia demais nas costas do grande José Dumont para encontrar a sua dramaticidade. Ainda assim, após Rosa (Kiarah Rocha) passar por suas primeiras provações ele encontra o caminho certo conciliando o seu quieto olhar infantil com toda a mística supracitada.


Um dos principais méritos do filme é saber usar seu diminuto tempo da maneira correta. Nos momentos em que temos pinceladas de terror, vide a casa com bonecas e os seres de barro que emergem da seca, Sagui não se acanha ao dedicar uma forma bem própria de montagem para criar um horror gráfico que, se no primeiro exemplo usa o cotidiano como forma de chocar e metaforicamente esboçar a perda da inocência juvenil, no segundo traça essa mesma relação com um acontecimento ocasionado pelas condições climáticas.


Sendo assim, usa da própria noção de mito para contar acontecimentos através do devaneio e, na utilização mais literal do conceito, usa a história para traçar algo que aos olhos leigos não teria explicação. Junto disso, o filme se preocupa em criar uma noção unitária do sertão nordestino. Não há data, região, nem nada que possa elaborar um senso de individualidade, logo, a árdua jornada passa a ser uma representação sofrida de uma odisseia comum e ordinária.


Severino, o senhor que ajuda a menina pelo meio do filme, carrega consigo esse estigma. O nome clichê da personagem fundamenta essa ideia de unidade, de um povo que, sedento por chuva, não tem medo de submeter as mais diversas provações e que acha na fé sua principal companhia. Não à toa Rosa carrega consigo os principais pilares dessa existência, a cacimba representando a água, Nossa Senhora representa a fé e a boneca a família.


Por mais que a epopeia da menina seja recheada desses diversos simbolismos, o filme não encontra na sua flexão cinematográfica o resultado visual para os significados que quer carregar. Fora os momentos em que a edição assume o controle para freneticamente chocar o espectador, dá para dizer que toda a elaboração estética da obra é bem pacata, mesmo assim, o embate entre esses dois ritmos amplia muito a imersão, transitando de forma inesperada entre o real e o lúdico.


Rosa Tirana é uma produção intrigante que, através de uma corrente metafórica, mescla a sutileza infantil e a impassividade natural de um jeito bem único. Sempre trabalhando com noções amplas como povo, raça, cultura, natureza e mitos, o filme é muito dicotômico, conflitando a pequenez infantil com toda a grandiosidade do mundo que a cerca.


Nota do Crítico:


O filme está disponível no site da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes

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