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Reflexões sobre a experiência fílmica

Transformação e moldagem da nossa experiência através de elementos do cinema e da nossa vida.



Subjetivismo


Todos nós somos diferentes uns dos outros, portanto, temos gostos diferentes. Ainda que você conheça alguém que goste das mesmas coisas que você, em algum ponto sempre haverá uma discordância.


No cinema, podemos ver essa relação subjetiva a partir de críticas. Mesmo um filme tão incrível e bastante aclamado como ‘Parasita’ já recebeu críticas negativas. As razões para gostarmos e não gostarmos de filmes são diversas, que vão desde a memória afetiva até a falta de conhecimento em tal conteúdo.


A nossa subjetividade, claro, pode mudar com o tempo, fazendo com que assim passemos a apreciar coisas que não apreciaríamos da mesma forma antes. Eu, por exemplo, quando comecei a estudar cinema e assistir filmes mudos, os achei cansativos e desinteressantes. Hoje, F. W. Murnau, grande cineasta do cinema mudo, é um dos meus diretores favoritos.

Não há nenhum problema em gostar de um filme considerado por muitos ruim ou não gostar de um filme conhecido por ser uma obra prima. É até interessante que haja essas contradições, pois é assim que vão nascendo novas ideias: através da negação.


Por essa razão, especialmente em casos mais contraditórios, é importante que você defenda, com base em seus conhecimentos sobre cinema, a sua visão sobre o filme. A partir da sua visão pessoal sobre a obra, alguém poderá lê-la e trabalhar sua própria visão, seja na complementação ou discordância do seu posicionamento, em seu próprio texto.



Bagagem


É incrível como ter uma bagagem de filmes pode enriquecer ou reduzir sua experiência. E não ter uma bagagem, idem. Pois veja, como vamos reconhecer um clichê sem não tê-lo visto antes? Se aquilo é novo para você, como seria um clichê? Da mesma forma, conhecer uma convenção pelo alto uso dela em vários filmes que você viu, pode te cansar ao assistir um longa que a utilize.


Claro que há outras fontes que podemos pegar para adquirir um conhecimento de alguém que tenha bagagem: livros, artigos, críticas, cursos, etc. Mas, claro, isso não é o bastante. Ler a descrição de uma pintura não é o mesmo que visualizá-la e, igualmente, não lhe trará a mesma sensação.


O cinema é, antes de tudo, uma arte visual. Como tal, ela precisa ser vista. E aí é que tá, pois nós não enxergamos da mesma forma. A percepção da cena de um parto para uma mulher é diferente da de um homem, por exemplo. A ideia que criamos a partir de algo está relacionada com o que já experimentamos. Logo, ainda que saibamos que nos filmes de terror quem faz sexo é punido com a morte, como poderíamos condenar essa convenção sem ter experimentado enjoar dela?


Ter bagagem também pode te deixar suscetível a menos coisas. Veja, quando você passa a ver muitos filmes, você acompanha várias histórias, e histórias são recicladas. Chegará um momento onde aquilo irá se esgotar – como comédias românticas, pastelão e filmes slasher se esgotaram. Entretanto, conhecendo esses repetidos reaproveitamentos, saberemos olhar para a inovação. No slasher, por exemplo, pegamos o caso de ‘A Morte te Dá Parabéns’, que dá uma nova cara para o gênero juntando-o com a comédia de loop temporal. Além disso, o filme ainda referencia outras obras dos anos 90 e do cinema como um todo – que nós só podemos reconhecer se já tivermos visto esses filmes –, assumindo seu caráter posterior se utilizando do passado.


Não tem jeito, a melhor forma de estudar cinema é, de fato, assistindo filmes. Claro que é necessário mais que isso, porém cinema sem filme não é cinema. Se quisermos estudar essa arte, iremos construir uma grande bagagem que irá afetar, sem dúvida, nossa relação com cada obra nova que apreciarmos.



Conhecimento


Aqui continuamos a discutir o ponto de vista de cada um. Tudo faz diferença ao experimentarmos uma arte. Ouvir uma música romântica quando se está apaixonado muda muita coisa na sua relação com ela. Quando me refiro a conhecimento aqui, não me refiro apenas a um conhecimento acadêmico, mas a vivência.


Como já disse, somos diretamente afetados na nossa experiência por aquilo que já vivemos, ou melhor, nesse caso, conhecemos. Dependendo da infância que você teve, talvez você se emocione mais com ‘Projeto Flórida’.


Isso explica muita coisa, como o famoso “guilty pleasure” – o prazer culpado, gostar de algo mesmo sabendo que é ruim. Às vezes o filme que assistimos traz uma memória daquilo que conhecemos – pode ser uma memória do próprio filme (tendo assistido ele em uma outra época) ou de algo relacionado – e por isso acabamos gostando da obra – ou ao menos parte dela. Por isso pode haver essa contradição, de você gostar do filme mas achar ruim. Entretanto, eu creio que isso seja apenas uma contradição meio que sem sentido. Ora, se você gostou de algo, como pode achar isso ruim? Como é possível você achar ruim algo que você sabe que é bom? Isso é bem controverso, mas eu creio que gostar é o mesmo que achar bom. Se um filme te agradou, é porque técnicas foram utilizadas para que te passassem tal sentimento, e se esses sentimentos te atingiram, é porque as técnicas foram bem empregadas.


A forma age sobre o conteúdo, quando você cai nessa de gostar de algo mesmo sabendo que é ruim, talvez você não tenha notado a direção, as técnicas que te afetaram positivamente e se ligou apenas à história, e por não ter gostado dela, julgou todo o filme. Ou o contrário também pode ocorrer: ter uma história muito boa nas mãos de um diretor que não soube contá-la.


A questão é que, para entendermos da forma, é necessário conhecer a linguagem cinematográfica. Apenas assim podemos entender como um diretor trabalha diante do conteúdo, percebendo sua utilização de técnicas e, consequentemente, seu estilo – a causa das suas técnicas, como um realismo do Kiarostami, anti-drama do Bresson ou artificialidade do Bava.



Obra de Arte + Obra de Arte


É inevitável que um filme se utilize de outros tipos de artes. Desde o início do cinema é assim, quando os pioneiros se utilizaram de um enquadramento que lembrava o teatro e contaram histórias da literatura. O cinema é, na minha visão, a arte que mais pode se apropriar de outras em sua feitura, visto que detém do uso da imagem (em movimento) e do som. Podemos referenciar a escultura (Pietà em ‘Filhos da Esperança’), a pintura (Nighthawks em ‘Profondo Rosso’), literatura (diálogos idênticos retirados do livro de Bernanos para ‘Diário de Um Pároco de Aldeia’), enfim, as possibilidades de transposição para as telas do cinema são infinitas.


Isso tem o poder de mudar muito nossa experiência quando reconhecemos essas utilizações nas obras. Um fã de soul pode se conectar mais com biografias sobre artistas desse gênero musical (‘Ray’, ‘Get on Up’, ‘Respect’, ‘Tim Maia’), ou alguém que curta literatura pode ter uma preferência por adaptações.


Mas como isso afeta, mais diretamente, nossa experiência com o filme? Simples, nos dando mais informações. Para você reconhecer os mesmos diálogos em ‘Diário de Um Pároco de Aldeia’, é necessário ter lido o livro de Bernanos. Para perceber como Bresson suprime o drama e os personagens a favor do essencial (a fuga) em ‘Um Condenado à Morte Escapou’, ter lido o livro original nos clareia isso. No teatro, se você já tiver visto uma peça que foi para o cinema, notar os usos das técnicas cinematográficas para a narração dessa história pode te trazer novas perspectivas sobre a obra.


Essa metalinguagem é ainda mais interessante quando é o próprio cinema inserido nela. ‘Pânico’ não seria o mesmo sem a metalinguagem. Esse é o exemplo de um filme inovador que só é assim por causa da sua utilização do cinema nela. Claro, não é por ele ser metalinguístico que ele é inovador – o próprio Wes Craven já havia feito isso antes em ‘O Novo Pesadelo’ –, mas por saber utilizar essa metalinguagem para subverter convenções do gênero.


Utilizar outras artes – ou até mesmo o próprio cinema – em seu filme é inevitável, espertos são aqueles que fazem disso uma oportunidade para deixar sua obra mais cool (Quentin Tarantino e Edgar Wright), ou inovar um gênero (Matthew Vaughn e Christopher Landon) e até consolidar algo esquecido (David Robert Mitchell e Robert Eggers).




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