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O Terceiro Mundo Vai Explodir | Cinco grandes curtas do cinema moderno brasileiro

A grandiosidade cinematográfica nacional também pode ser apreciada em poucos minutos



Por volta de 1945, especialmente com o lançamento de Roma: Cidade Aberta, começa o chamado "primeiro movimento moderno do cinema", o neorrealismo italiano. Em busca do realismo puro na encenação, os neorrealistas negavam a espetacularização do drama, utilizavam não-atores, filmavam nas ruas de maneira muito espontânea e lidavam com temas sociais da Itália pós-Segunda Guerra. O sopro moderno neorrealista espalhou-se pelo mundo, influenciando sobretudo o cinema francês, mas também, com talvez a mesma intensidade, o nosso cinema nacional.


Em 1955, o diretor Nelson Pereira dos Santos lança Rio, 40 Graus, um filme decisivo para o alvorecer do cinema moderno brasileiro. Profundamente influenciado pelo neorrealismo italiano, Nelson também lança, em 1957, outra de suas obras-primas, Rio, Zona Norte, e realizava seus filmes também sob o interesse e a decupagem realista, o uso de não-atores e o olhar social perante o Brasil.


Com o cinema de Nelson Pereira, abrem-se as portas para cineastas como Glauber Rocha, Ruy Guerra, Leon Hirzsman, Walter Hugo Khouri, Helena Solberg, Joaquim Pedro de Andrade e mais posteriormente, Rogério Sganzerla, Julio Bressane, Neville D'Almeida, Andrea Tonacci e muitos outros. Este texto dedica-se a breves críticas de cinco grandes curta-metragens produzidos por alguns desses autores durante os anos 60 e 70, alguns em plena ditadura militar. Todos são facilmente acessíveis e revelam, em poucos minutos, a nata do nosso cinema.



Pedreira de São Diogo (1962), de Leon Hirzsman


Este curta de Leon Hirzsman conta a história de trabalhadores de uma pedreira que, precisando derrubar o morro que sustenta a comunidade onde vivem sob ordens de seu patrão, organizam-se junto aos moradores para enfrentá-lo e impedir a derrubada do morro.


Talvez este seja um dos filmes não-soviéticos mais construtivistas/formalistas no sentido eisensteiniano. Mas, ainda assim, assimilando a dialética da montagem sob uma materialidade brasileira.


Leon Hirzsman tem uma preocupação não só com a atração entre os planos pela montagem, como também pela construção rica formal da imagem em si - tal qual a obsessão pela construção calculada, geométrica da imagem, que Eisenstein ja demonstrou em seus filmes e escritos.


Essa construção formal excessivamente controlada surge, tanto em Eisenstein como em Pedreira de São Diogo, apresentando os indivíduos na tela como ferramentas de construção da materialidade do mundo filmado, de modo que, do seu trabalho, tornam-se sujeitos, merecedores de um espaço de destaque na elaboração do plano - tornando-se parte constitutiva essencial de um todo formal construído geometricamente de maneira grandiosa.


Junto a isso, aqui, a montagem rítmica é potencializada pela música constituída de instrumentos que assemelham-se ao som das ferramentas dos trabalhadores que, com elas, tanto moldam o mundo ao seu redor como transformam-na em maneira de construção de poder popular pela união da classe trabalhadora-camponesa contra o patrão, sob o batuque que remete à raiz afro-brasileira escravizada, formada pelos verdadeiros construtores da nação.


Além de toda essa riqueza na elaboração da montagem, ritmo e construção imagética do plano, Hirzsman utiliza-se do close-up ao final para potencializar as emoções diante do rosto do opressor (o patrão), os oprimidos (trabalhadores e camponeses), alternando o olhar raivoso de desprezo do dono da pedreira em oposição ao contentamento, ao regozijo pela vitória alcançada com a união popular.


Leon Hirzsman é um nome um pouco menos mencionado do que outros do Cinema Novo, mas está certamente entre os nossos maiores.


Nota do crítico: 5/5



Maioria Absoluta (1964), de Leon Hirzsman


Também de Leon Hirzsman, Maioria Absoluta é um belo exemplo de cinema-direto, no qual a câmera e o som são captados diretamente do mundo, enquanto o cineasta se abstém de participar da ação documentada. O filme aborda o analfabetismo e a desigualdade na distribuição de terras aos camponeses, entrevistando-os e sob uma narração expositiva de Ferreira Gullar sobre a realidade abordada.


A obra é o que é, e dessa interação direta entre câmera e realidade é que surge todo o discurso profundamente impactante de "Maioria Absoluta". Por vezes, senti até que o próprio filme não precisava falar pela sua narração, porque o que há de mais interessante são as falas da "maioria absoluta", o povo analfabeto, camponês, que vive sob a fome.


Por isso mesmo, a câmera de Leon Hirzsman está sempre buscando os indivíduos dentro dessa maioria, ressaltando suas falas, seu olhar, sua verdade, que barra qualquer artifício cinematográfico que se possa pensar em usar nesses momentos. Ao mesmo tempo, ressoa um senso de coletividade ao filmar os trabalhadores compondo as imagens em comunidade.


Dentro dessa abordagem, a montagem passa pela ironia, ao colocar o povo analfabeto em foco, enquanto a classe média/alta dá seus pitacos nos problemas do país ao início do filme; mas, logo, a edição começa a esconder-se para dar espaço à voz da maioria absoluta.


Nisso, a narração, entretanto, não é de todo invasiva, muito menos redundante. Ferreira Gullar narra poeticamente, e poesia não é sempre bonita, cheia de enfeites. A narração poética do filme é realista e pesada, não intelectualizada, recusa enfeites poéticos, como faz a obra toda.


Nota do crítico: 4,5/5



A Entrevista (1966), de Helena Solberg


Helena Solberg é um dos nomes mais relevantes do Cinema Novo e, ainda assim, a única representante feminina do movimento. Em 1966, ela lança o curta-documentário A Entrevista, no qual conversa com uma noiva que se arruma para seu casamento, enquanto, simultaneamente, entrevista mulheres da classe-média observando suas opiniões quanto à sexo, gênero e política.


Feito em plena ditadura militar, A Entrevista situa o golpe como movimento conservador-cristão do patriarcado brasileiro. Formalmente, Solberg lida com a dialética entre imagem e palavra colocando-os em oposição inconciliável.


A palavra constrói o discurso que desconstrói a imagem, discurso este que questiona e revela o papel do patriarcado que subjulga a mulher no autoritarismo brasileiro e que subjulgou a democracia durante o período da ditadura militar. É um filme tão instigante que passa num instante.


Nota do crítico: 4/5



Olho por Olho (1966), de Andrea Tonacci


Situado em um contexto e sob interesses um tanto diferentes em relação ao Cinema Novo, sob o qual foram feitos os curtas anteriores, Olho por Olho já começa a trabalhar sob o viés de realização cinematográfica do Cinema Marginal, que integra a experimentação, bebendo de fontes multimídia diversas (quadrinhos, filmes de gênero estrangeiros, músicas, etc.) sob um imaginário brasileiro nem sempre tão explicitamente político quanto o que era feito no Cinema Novo.


Este curta conta a história de alguns jovens entediados que andavam de carro por São Paulo. Uma série de acontecimentos ao acaso se desenrolam: eles buscam uma mulher, vemos a cidade, conversam, e, ao final, acabam espancando um homem.


O interesse do cinema moderno dos anos 60 pelos automóveis, muito marcado em Acossado (1960) como seu exemplo mais emblemático, revela um olhar direcionado à fugacidade moderna, às técnicas urbanas. Em Olho por Olho, Andrea Tonacci traz a fugacidade dos centros urbanos pela perspectiva de jovens de classe média entediados, tendo o movimento e a agressividade da grande São Paulo como mote.


Movimento em seu sentido mais fundamental, não só dos automóveis e passantes da cidade, mas também da plástica do filme (pela câmera incansavelmente agitada) e pela própria essência do cinema de representar o movimento. E a agressividade surge também como consequência da movimentação incessante, carros que passam sem possibilitar qualquer respiro na imagem, a câmera que parece querer mostrar tudo a todo tempo, a música e as falas excessivas.


O final, marcado pela irracionalidade violenta por parte dos personagens centrais, é a manifestação natural do tédio fugaz e do excesso de informação que vivem em São Paulo, sob uma absoluta falta de sentido que não o movimento, os encontros e a busca pela próxima adrenalina que a cidade incansável pode oferecer.


Nota do crítico: 4/5



Viola Chinesa (1976), de Júlio Bressane


Júlio Bressane é um dos maiores nomes do Cinema Marginal, e, aqui, junto a Grande Othelo (um de nossos maiores atores), o cineasta articula uma espécie de manifesto do cinema experimental brasileiro a partir de certa espontaneidade lírica e ao mesmo tempo despojada, malandra, marginal.


O cinema é a arte mais erótica e ao mesmo tempo mais religiosa de todas, em ambos os casos pois situa os seres diante da essência de tudo, em sua forma mais material e natural. O que Júlio Bressane faz aqui é, em um curta divertidamente erótico, uma oração ao cinema, e em especial ao cinema brasileiro, o cinema feito no país "futuramente cinematográfico", como é dito já obra.


Então, ao mesmo tempo que diverte (e se divertir é o que Bressane diz que sempre fez ao realizar cinema), ele exprime qualquer coisa que seja que a arte precise exprimir, com uma dinâmica realmente de sonhos; em que o discurso parece pouco importar diante das imagens, mas que, na realidade, não se faz possível tal separação, sendo um discurso que está totalmente arquitetado na forma - no ato de exprimir-se - mais do que na palavra que se exprime. E esta forma é, essencialmente, brasileira.


Nota do crítico: 5/5


 

Dediquei-me, nesta lista, a apenas alguns dos grandes curtas que compõem nosso rico repertório cinematográfico nacional. Além destes, indico a busca constante pelo que há de brilhante no cinema brasileiro! Caso tenha alguma outra sugestão de curta nacional, sinta-se livre para deixá-la aqui nos comentários e, caso queiram uma segunda parte dessa lista, digam para nós aqui e no nosso perfil no Instagram @revsingular.


E que viva o cinema brasileiro, viva o velho e o novo Cinema Novo, viva o Cinema Marginal - a Leon Hirzsman, Helena Solberg, Andrea Tonacci e Júlio Bressane, viva!


 

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