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O Primeiro Homem (2018) | Uma abordagem familiar

Indeciso e perdido quanto a que discurso tomar, Damien Chazelle faz do seu épico espacial um filme palpável



Enquanto La La Land e Whiplash ganharam não só mais reconhecimento por parte da crítica como também mais atenção por parte do público, O Primeiro Homem (2018) soa como um ponto fora da curva na, até então, curta carreira de Damien Chazelle. A jornada apoteótica de Neil Armstrong até se tornar o dono da primeira pegada humana em solo lunar é mesmo bem diferente do jazz enervante de seus dois filmes anteriores, mas nem por isso deve passar despercebida. Enquanto explora o maior feito da exploração espacial, ao menos pelos olhos da cultura estadunidense, o diretor inicia um caminho muito promissor na humanização do mito através do olhar pessoal de sua história. Contudo, abandona o drama individual para superficializar uma pauta social.


É de se impressionar que um filme com essa alcunha espacial, tão vangloriada por filmes com um primor técnico realista, ache um espaço tão particular para existir. Chazelle acha uma câmera confortável, emulando a estética e movimentação de filmes caseiros, para compor sua mise-en-scène. Dessa forma, ao menos nos dois primeiros atos de seu filme, ele nos aproxima de Neil não só por relatar sua história de uma forma muito próxima, encarando-o como ser humano, pai e marido ao invés de observá-lo à distância como um piloto, engenheiro e astronauta. Não à toa, tanto a esposa como personagem quanto a filha como motivador cumprem um papel fundamental nessa construção, ressignificando o peso de todos os incidentes de uma órbita coletiva patriótica para uma óptica muito mais intimista e familiar.



Do mesmo jeito, a narrativa evolui através de uma câmera inconstante, com ângulos nem sempre oportunos ou milimetricamente desenhados, soando extremamente documental até mesmo nas grandes sequências de ação. Por isso, O Primeiro Homem é um meio termo muito reconfortante entre os grandes sucessos do cinema espacial da última década; e daí podemos falar sobre a constantemente citada e superestimada lista com A Chegada, Gravidade e Interestelar; e filmes com um perspectiva mais cotidiana como História de Um Casamento e Antes do Amanhecer, a título de exemplo. Especificamente, uma ótima sessão dupla com Apollo 10 e 1/2 : Aventura na Era Espacial.


Permitindo um certo abuso comparativo, o aspecto de linguagem mais bem trabalhado do filme vem de uma naturalidade e impossibilidade da câmera caseira, lembrando muito algo de O Fantasma do Futuro. Na animação japonesa, mesmo sem os limites físicos para explorar os ambientes, o retrato da cidade é feito do ponto de vista da rua, palpável e acessível para aqueles que habitam nela. É a forma de abordar como os indivíduos enxergam o universo que vivem. Chazelle utiliza o mesmo recurso para permitir que o espectador vislumbre o que Armstrong, de fato, vivenciou. Em grande parte de sua rodagem, especialmente nas cenas no espaço, não nos é mostrado nada que não esteja no limite físico das personagens. Nos módulos espaciais, por exemplo, temos uma visão restrita da cápsula e que não vai tão mais longe do que seria uma câmera acoplada no veículo. Uma abordagem que é realista na forma e corrobora para o naturalismo da encenação apresentada até então.



No entanto, olhar para um feito tão explorado no fomento do nacionalismo americano e para um herói que conquistou a Lua na frente do fantasma soviético com tanta individualidade e personalidade exige uma coragem que o diretor nem sempre sustenta. Em seu ato final o filme inteiro é desarticulado para recair em clichês bem típicos tanto de linguagem quanto de discurso. Tudo se inicia com a adição do viés politizado, quando decide retratar os movimentos que lutavam contra o programa de exploração espacial e a favor da redistribuição dessa verba para o políticas públicas. Desde então, o filme aos poucos abandona seu caráter íntimo e entra em um saga para meramente justificar o financiamento de missões milionárias em uma guerra de egos.


Sem fazer o julgamento de valor (mas já fazendo) de quanto a instituição de um discurso como esse é completamente insensível e básica, ela vai contra toda prerrogativa familiar adotada até então. São inserções tão vazias quanto poderiam ser, uma montagem de algumas cenas soltas ao fugir pela primeira vez do ambiente fechado filmado até então, uma cobrança por parte de um senador, uma menção ouvida através do rádio, tudo distante da obra em si, dando o protagonismo de um homem comum e falho para uma organização governamental e para a própria corrida espacial. Isso recai com força na direção de Chazelle, que sai de uma câmera próxima e natural para movimentos que buscam a grandiosidade e rompem o eixo palpável de sua obra.



Um grave na trilha anuncia a sequência da Apollo 11, um momento tão importante e ao mesmo tempo tão indeciso dentro do filme. Essa própria escolha já evoca um sentimento diferente de qualquer outro que tenha despertado durante toda a rodagem e, a partir de então, ele não consegue decidir. Em um plano mostra a visão dos astronautas ao ascender para o topo do foguete, uma subida infinita em que assistem a interminável estrutura afunilando de perto, se impressionando com as dimensões da máquina, em outro joga o espectador para a estratosfera para assistir à distância o foguete decolando. Quando chegam na Lua é a mesma coisa, enquanto um plano em primeira pessoa exalta de forma truculenta a excitação e ansiedade antes da primeira pegada, um outro filma o módulo por cima, estático e frio. São planos com primazia técnica e criativos, mas que deslocam a estética do filme para corroborar com esse objetivo institucional tão mais repetitivo e tão menos único. Recupera alguma energia no final ao voltar para seus pontos de controle, a memória da filha e a presença da esposa, mas nada que amenize essa confusão narrativa do diretor.


É frustrante ver um filme desamparar a si mesmo, mas diante de dois trabalhos tão ricos e confiantes o infortúnio é ainda maior. Todavia, ainda enxergo um saldo positivo e mesmo prejudicando dois atos concisos, um terceiro ato indeciso não os exclui. O Primeiro Homem, esquecido pouco depois de seu lançamento, traz uma visão particular para o ícone por acaso que é Neil Armstrong. Um filme que olha tanto para o interno mesmo com um enredo chamariz para o externo.


Nota do crítico:


Esse o segundo de um especial de quatro textos sobre os trabalhos de Damien Chazelle, quando disponíveis, você pode acessar os demais textos aqui:



 

Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:




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