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Não Olhe Para Cima (2021)

Mesmo sendo preciso na apropriação de formatos para retratar a sociedade da pós-verdade, Adam McKay não consegue nada além de repetir sua crítica sem aprofundá-la.



Adam McKay é um diretor que, ao menos em seus trabalhos mais recentes, tem olhado para dentro da sociedade norte-americana de um jeito muito peculiar. Em A Grande Aposta (2015) foi à fundo na grande crise de 2008 e quem lucrou com ela, em Vice (2018) voltou sua atenção para o ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, em sua ascensão com o governo de George Bush e até mesmo em sua presença em Succession (2018-), série na qual ele dirigiu o primeiro episódio, é possível ver traços do estilo que imprime nas demais obras citadas: dinamismo e sarcasmo em uma abordagem que desfila na linha tênue entre crítica e bajulação.


Em Não Olhe Para Cima, seu novo lançamento pela Netflix, o diretor direciona seu retrato para o funcionamento midiático americano e abre mão dessa ambiguidade de outrora para tecer um comentário bem ácido aos veículos de comunicação e como fizeram da grande massa, no melhor dos termos, um monstro negacionista e relativista que transforma dados em opinião e ciência em política. Não que ele se exima de um posicionamento, é bem incisivo e claro, mas foca a maior parte tanto de seu conteúdo quanto sua forma para atacar o modelo degradante de sociedade fruto da era da pós-verdade.



Seu principal trunfo reside na apropriação que faz dos modelos audiovisuais que tanto ironiza, seja na recriação de um típico programa matutino estadunidense que traz uma deturpação cômica para o mais sério dos assuntos, o showcase tecnológico de um multi bilionário esquisito e insensível ou até mesmo os recortes aleatórios para representar o planeta que insere quando pontua os perigos iminentes do asteroide. Neles, recria a aura publicitária de tentar vender uma filosofia maior com um conglomerado de imagens que reflitam humanidade, natureza e outros temas fortes. Nisso ele é bem engraçado e, com o ridículo, traz seu ponto à tona.


Todavia, enquanto se preocupa em criar uma situação absurda sobre outra para atestar a alienação, o filme acaba se perdendo em duas vertentes: não ter a mínima noção do que fazer com seus personagens e saturar seus temas. Na primeira, a partir do momento em que eles não estão mais no centro da missão para desviar o asteroide, os protagonistas são arremessados de um lado para o outro de uma forma que não ganham o destaque necessário para se fazerem relevantes dentro do filme e não dão o espaço suficiente para que tente achar algo mais interessante do que gritar sua mensagem.



Tal aspecto corrobora para o segundo ponto. Depois que todo o comentário que tenta expelir é despejado, nada mais é oferecido fora a própria repetição. Políticos charlatões, guerra de mídia, ricos gananciosos e cientistas ignorados são os temas em que ele insiste, mas grita mais as manchetes do que se aprofunda de qualquer outra maneira. Para alguém que usa tão bem os recursos visuais e se apropria de uma forma tão incisiva dos formatos advindos da TV e internet é decepcionante McKay não ter nada mais do que o mesmo superficialismo de quem critica. Pincela como a indústria de memes ataca mais as mulheres com Kate Dibiasky, tenta tratar da criação do ego dentro do bem social com Randall Mindy e outras construções menores, mas tudo sem força e pouco trabalhado.


Em suma, depois que institui tudo que tem para oferecer em sua primeira metade, Não Olhe Para Cima cria uma mescla de sensações. Enquanto traz um discurso progressista para a mesa, não faz esforço algum para dobrá-lo. Existe quase que completamente no absurdo, e nisso é eficiente em ser engraçado, mas não tem muito a adicionar depois que brada suas insatisfações pontuais. Diria que é o que se pode esperar de um pronunciamento americano sobre ignorância: raso e atrasado.


Nota do crítico:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular.

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