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Mulher-Maravilha 1984

Novo filme da DC utiliza complexidades dos anos 80 e velhas formas de representação dos super-heróis para ressoar uma mensagem utópica de otimismo.

Se os heróis da Marvel se apresentam e se vendem a partir de uma identificação imediata com o público - seja nos problemas do homem comum personificados na figura de um Peter Parker ou na marginalização das minorias evocadas a partir dos traumas dos X-Men -, os personagens da DC sempre tiveram a bucha de conciliar algum tipo de conexão com as massas e o seu inerente caráter mitológico.


Não chega a ser uma surpresa, portanto, o esforço feito pela produtora de humanizar a figura do Superman nos cinemas, por exemplo, ao abordar as dúvidas e as patinadas do personagem antes de se tornar um mito propriamente - tudo embalado com muita seriedade e melancolia. É natural, então, que Mulher-Maravilha 1984 cause estranhamento justamente por devolver os super-heróis da editora ao seu altar de grandiosidade e seu potencial de idealização atemporal, com as contradições políticas e sociais da década de 80 potencializando seu discurso.

Se a grandiloquência dos filmes do Superman de Zack Snyder surgia para evidenciar as consequências sociais da existência de deuses entre homens e o potencial dramático do fracasso de seu protagonista, no filme de Patty Jenkins ela existe para elevar uma mensagem universal de altruísmo e otimismo. O charme de Gal Gadot, a fotografia vívida, a trilha sonora espirituosa composta por Hans Zimmer e os arquétipos batidos dos vilões: tudo se funde para trazer de volta uma visão mais datada e tradicional do sub-gênero - que remete muito mais a filmes antigos de sessão da tarde e desenhos animados do que qualquer outra coisa. Não por acaso o filme assume o potencial inspirador da Mulher-Maravilha a todo momento. A ideia não é fazer com que Diana se torne em uma mulher do dia a dia, mas sim em um ícone para acompanhar e ser escutado.


Mas engana-se quem pensa que Mulher-Maravilha 1984 é um mero exercício de retomada e homenagem. Por se tratar de um lançamento de 2020, que amplia discussões sobre empatia, conciliação e constrói a expectativa por uma nova realidade após a pandemia, o novo filme da heroína ganha um forte caráter político ao apresentar a possibilidade da existência de um mundo mais positivo e inspirador. Dessa forma, o filme de Jenkins trabalha em uma ambivalência entre o passado e o futuro, em que a volta às velhas maneiras torna-se, na verdade, em uma janela para o que pode vir a seguir.

Nesse sentido, a ambientação nos anos 80 é um dos maiores acertos do longa. Ao rejeitar o caminho óbvio de músicas pop e referências ao imaginário cultural do espectador, a diretora abraça não só os aspectos sociais do período - que remetem a um consumismo desenfreado e um individualismo cada vez mais obsessivo - mas também o descompromisso e a galhofa.


A escolha pelo tom espirituoso e datado em um mundo opressivo ajuda também a esconder algumas inconsistências de roteiro e detalhes burocráticos sobre as regras daquele universo, que poderiam incomodar mais em um filme que não tivesse tanta confiança em seu potencial de escapismo. Até mesmo a relíquia misteriosa que move toda a trama encarna a atmosfera aventuresca e juvenil, o que confere maior força à sua mensagem de otimismo.

Os personagens secundários também abraçam os excessos, e mesmo com um Chris Pine deslumbrado com as maravilhas de um mundo imperfeito e uma Kristen Wiig fazendo a melhor Selina Kyle desde Batman Returns, o destaque fica com o vilão vivido por Pedro Pascal, que personifica com fervor e diversão a busca obsessiva por poder em uma América prestes a vencer a Guerra Fria sem perder de vista as nuances que tornam o personagem empático para o espectador.


Mas se Patty Jenkins se firma como uma diretora capaz de realizar um filme com voz própria dentro de Hollywood, suas deficiências também são evidentes. Em Mulher-Maravilha (2017), era clara a influência do estilo de Zack Snyder - na época, ainda com certo controle na produtora - no visual e nas cenas de ação. Se Jenkins consegue se afastar de Snyder com firmeza em termos de tom e estética, a diretora parece não encontrar a voz nas sequências de ação, que se perdem na utilização do CGI e na geografia das cenas.


O mesmo vale para a duração exagerada, com grandiosas 2h30 que não encaixam com a vibe oitentista de entretenimento descompromissado. Escolha que mais parece seguir uma cartilha que busca tornar alguns filmes de herói em eventos de magnitudes globais do que tenta fazer sentido com a unidade proposta pela diretora.


Desenvolvimentos de personagem atravessados e soluções de roteiro apressadas a parte, Mulher-Maravilha 1984 surpreende por acreditar até o fim, assim como a sua protagonista, nas suas escolhas e convicções. Em meio a tantos adiamentos, o clima natalino do fim do filme não poderia ser mais oportuno em relação a sua data de lançamento, na medida em que a representatividade de sua heroína extrapola a janela temporal delimitada pelo longa e se conecta, do lado de fora, com as esperanças do espectador por um ano melhor.


Nota do crítico:


Mulher-Maravilha 1984 está em cartaz nos cinemas!

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