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Magnólia - Orquestração do Caos

Uma das obras-primas de Paul Thomas Anderson, Magnólia retrata o caos do acaso que conecta e transforma


Difícil escolher entre as obras de Paul Thomas Anderson uma favorita, mas talvez Magnólia seja a minha. Uma das coisas que mais me encanta no cinema do diretor é como ele retrata a natureza humana, jogando na tela os sentimentos de forma tão pura e real. Em meio a cenários por vezes até glamourosos, PTA explora o que há de mais real nos seres humanos - por mais decadente que possa parecer às vezes. Em Magnólia isso é elevado a outro patamar, já que temos diversos personagens sendo explorados e um único protagonista: o acaso.

Algumas coisas só acontecem, mas existem coincidências tão fortes que não podemos acreditar que apenas ocorrem em nossas vidas, parecem destinadas por uma força maior. Esse é o fio condutor das histórias desses humanos complexos, cheios de falhas, carentes de amor, solitários e incompreendidos. Seus destinos se cruzam ao longo do filme em acasos da vida, mas todos parecem dividir angústias parecidas.

Paul Thomas Anderson nos leva entre essas histórias, sua câmera parece nos pegar pela mão e passear entre os diferentes cenários intercalando ritmos de acordo com os momentos mais tensos ou calmos do longa. Não há um momento de tédio nas três horas que passamos como observadores dessas vidas. A montagem costura e amarra tão bem cada ponto que parece irônico fazer um filme sobre o acaso com uma direção tão controlada. O diretor domina cada detalhe aqui e conduz como um maestro, sabendo os momentos certos para prender nossa atenção, construir tensão e liberar toda a emoção.


Só um trabalho tão bem feito seria capaz de criar empatia por tantos personagens tão diversos e com morais duvidosas. É a humanidade, um cinema como espelho que devolve-nos nossas próprias angústias, medos e sentimentos. São situações que conversam com o que conhecemos de dramas familiares, carências afetivas, solidão, morte, dependências, vícios, doenças, dores, traumas. Todo mundo enfrenta uma batalha, todo mundo se depara com o destino, com o acaso.

O filme nos coloca como ouvintes dessas pessoas, por todas as horas que seguem nós escutamos seus desabafos. Enquanto o policial (John C. Reilly) fala em seu carro, é para os espectadores que ele se dirige. Quando Frank (Tom Cruise) desabafa com seu pai no leito de morte, somos nós que ouvimos, assim como o descontrole de Linda (Julianne Moore) é uma performance feita para o público. Muitas vezes seus rostos preenchem a tela e os sentimentos se tornam protagonistas enquanto o espectador se torna um confidente, se aprofunda naquele personagem, na empatia com aquele ser humano.

As atuações contribuem e muito em como o filme funciona bem, todos entregam seu melhor e ajudam a mergulhar ainda mais nesse universo. Mesmo as figurinhas mais carimbadas aqui se misturam tão bem aos personagens que apenas os vemos como aquelas pessoas comuns, compramos suas dores, sentimos suas ansiedades. Uma das sequências mais bonitas é a parte musical, onde todos se conectam e mais uma vez vemos que não é apenas o acaso que os une, mas também suas fragilidades.


Todos parecem ter dificuldades com o afeto, em amar e serem amados, e precisam lidar com o caos do acaso, com os acontecimentos que fogem de seus controles. Seus destinos parecem os forçar a enfrentar seus traumas passados que os travam, para que possam evoluir e seguir em frente. Claudia (Melora Walters) enfrenta um trauma com seu pai quando conhece por acaso um policial e isso muda seu caminho, ao mesmo tempo que esse homem lida com suas inseguranças e encontra nela uma chance de fazer tudo diferente. A narrativa é quase uma terapia coletiva para esses personagens, em jornadas de descobrimento que funcionam também para os sentimentos do espectador.

Estamos ali, o tempo todo, caminhando entre aquelas vidas, sendo voyeurs, até que o filme nos devolve o olhar. O olhar final de Claudia nos expõe, os observadores são vistos, é quase como se ele nos colocasse também naquela costura, a tela não nos protege mais e estamos também à mercê do acaso. Mas também há um tom de esperança, de que apesar das dores, o destino pode entregar coisas boas e encontros felizes, ou nem tão felizes assim, mas aquele que precisávamos. Afinal, como em outros trabalhos do diretor, Magnólia também é sobre como nossas vidas mudam através do contato com os outros, como um encontro pode mudar nosso destino. Seja um policial que bate à porta num momento de desespero ou uma chuva de sapos numa noite ruim. Um acontecimento pode mudar tudo.

Magnólia acaba sendo uma experiência que cada um sente à sua maneira, sendo difícil de explicar em palavras. É mais uma obra que prova que Paul Thomas Anderson não é apenas um gênio no cinema, que conduz um filme como ninguém, mas é também um mestre em trabalhar nosso psicológico, retratar e despertar sentimentos. Não há como sair ileso de uma obra como essa - ainda bem, afinal é isso que faz o cinema tão bonito.


 




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