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M3gan (2023) | O horror limpo, cômico e comercial

Com um humor feito sob medida para agradar comercialmente, M3gan esconde a violência e o sangue e traz o medo da tecnologia com o propósito de viralizar



A premissa de M3gan é praticamente uma comédia romântica clichê, a mulher solteira focada na carreira que é obrigada a se tornar tutora da sobrinha depois da trágica morte dos pais. Essa história de fundo que poderia ser sentimental é na verdade fria, fruto de uma dificuldade de se conectar humanamente na sociedade atual, sanada pobremente pela presença da tecnologia. As telas fazem parte do filme desde o primeiro minuto, tablets, celulares, aplicativos e brinquedos com inteligência artificial inundam as cenas, assim como a assistente virtual da casa de Gemma (Allison Williams), que também faz questão de lembrar que a mulher sozinha precisa do Tinder para tentar se relacionar com outras pessoas fora do trabalho. O que também fica claro desde o começo é que o humor é o destaque do longa, que não tem nenhuma pretensão de ser inteligente e não se leva nem um pouco a sério, fatores que não seriam problema algum, muito pelo contrário, não fosse a motivação óbvia do filme de agradar comercialmente um público específico, o mesmo que é afetado por essa presença sufocante da tecnologia e que busca algo mais limpo, menos violento e mais “compartilhável”.


Ainda que James Wan assine a história e a produção, o diretor é Gerard Johnstone, por isso é possível até enxergar alguns traços de Wan na obra, mas o resultado final é muito mais sutil e até um pouco sem alma - ou seria sem autoria? M3gan traz alguns elementos do horror de espíritos de uma forma interessante, como as movimentações da boneca serem muito parecidas com as de entidades em filmes do gênero, e se encaixam perfeitamente aqui por soarem um tanto robóticas. Além disso, também segue as mesmas lógicas de sustos, tensão e artifícios desse universo, como as luzes piscando e controle da eletricidade, que trazem um tom mais sobrenatural. Embora a ameaça aqui seja algo mais concreto e racional, algo que depende da tecnologia, não deixa totalmente a fantasia de lado, sem sentir a necessidade de se explicar sobre os poderes da boneca. A ideia do robô ou androide que questiona sua existência e busca alguma humanidade não é novidade no cinema, mas o toque mais atual aqui é a personalidade de M3gan, carregada de sarcasmo e respostas espertinhas que a fazem algo projetado para ser um meme, algo que diverte mas que pode facilmente se tornar ultrapassado com o tempo.



É natural que com as evoluções e o passar dos anos os medos da sociedade mudem, e o terror sempre acompanhou isso. Parece que atualmente o medo das telas e da tecnologia voltou com tudo para o cinema, atualizado para as novas ameaças modernas. Assim, M3gan não trata de forma metafórica esses problemas, lida com eles de frente e assume seu lugar no tempo. Talvez por isso pareça um tanto superficial, um pouco como é viver na era em que somos engolidos por telas e redes sociais. A relação entre Gemma e Cady (Violet McGraw), por exemplo, é distante e pouco trabalhada, terceirizando o afeto para a boneca robô. Mas, o filme não assume totalmente que não quer se interessar dramaticamente por essas pessoas, e assim alguns momentos melodramáticos soam fora de tom.


Dessa forma, é surpreendente que a menina escolha defender a tia no final, criando algum vínculo emocional que foi desprezado em todo o restante da história. A empatia que o longa transmite fica muito mais para M3gan do que para os humanos, não que o filme a humanize, mas a torna mais interessante que os outros personagens, de forma cômica, deixando para ela todo o destaque. Ninguém importa muito na narrativa, todos são peças que a fazem andar mas que não geram reações sentimentais, podem viver ou morrer sem fazer muita diferença, e em alguns casos são tão irritantes que poderiam até morrer mesmo. Já a boneca se torna a estrela que poderíamos ver mais vezes, o que é claramente a intenção, já que o filme não esconde ser o primeiro de uma franquia.


Como divertir - e vender - parece ser o foco de Gerard Johnstone, todas as cenas de violência são escondidas, acontecem fora da tela. O pouco que vemos é o sangue, mas em geral é uma obra muito limpa e até com poucos sustos. Nada impacta muito, nem choca, tornando ainda mais fácil a criação desse vínculo com a boneca assassina. É um filme sutil, que pega muitos elementos do horror mas os enfraquece para agradar uma audiência. M3gan certamente é um terror que diverte e entretém, mas como tudo aquilo feito para viralizar, está fadado a alimentar uma sociedade que abandona rapidamente seus brinquedos por outros mais modernos.


Nota da crítica:

3/5





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