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Desaparecida (2023) | O cinema nos tempos da obsessão pelo celular

Dos mesmos criadores de “Buscando…”, “Desaparecida” tenta replicar a fórmula mas acaba sendo mais um filme superficial que não consegue se encaixar em sua proposta



Noite de pré-estreia para convidados em São Paulo, um homem agita um bastão de luz de led gritando a palavra “Desaparecida” e incita o coro dos espectadores no cinema enquanto grava um vídeo para as redes sociais, uma cena no mínimo cômica e que dá o tom do público para quem este filme foi feito. Entre reações exageradas, conversas explicativas a cada reviravolta na trama, tosses e uma sinfonia de barulhos, assessores tentam em meio à escuridão da sala de cinema filmarem com seus celulares a atmosfera da audiência. É claro que todo filme é além de entretenimento, um produto comercial que envolve trabalho e visa o lucro, mas não me lembro da última vez que estive no cinema com tanta agitação, uma experiência à la grandes blockbusters da Marvel ou Star Wars. Para essas pessoas, cada revelação do longa parecia impressionante, cada vitória era celebrada e cada problema lamentado, mesmo que fosse um filme extremamente previsível e medíocre. É hora de talvez reconhecer que o público moderno celebra a agilidade, as grandes reviravoltas e temáticas relevantes acima de uma obra bem feita, se importando cada vez menos se a forma que as histórias são contadas são efetivas e cada vez mais com a importância de pautas e em se sentirem inteligentes perante tramas que se mascaram como complexas - mesmo que sejam simples e superficiais. Ou que talvez eu esteja antiquada.


Desaparecida usa a mesma fórmula de filme de desktop de Buscando… (2018), do qual compartilha roteiristas e produtores, ainda que tenha uma equipe muito maior e diretores diferentes. Porém, ainda que exista no mesmo universo - referenciando o filme anterior logo de início - e tente se valer de seus pontos fortes, o filme de Nicholas D. Johnson e Will Merrick (dois iniciantes) é apenas uma tentativa comercial de replicar um sucesso, que falha grandiosamente. Se no found footage os diretores estão sempre procurando maneiras de manterem sua forma em toda a narrativa, seja usando câmeras nas cabeças de vários personagens, montando falsos documentários com aspirantes à direção de cinema ou usando a justificativa de uma reportagem jornalística, os filmes de desktop precisam se esforçar ainda mais para manterem suas obras dentro da proposta, contando uma história apenas pelas telas, num ponto de vista específico. Talvez a maior referência aqui seja Host (Rob Savage, 2020) que sabe perfeitamente trabalhar nesse espaço, com um tempo controlado e um reflexo gritante de uma época. Mas o próprio Buscando… faz um excelente trabalho, que soa como as primeiras experimentações do estilo. Entre silêncios, mensagens escritas e pesquisas no computador, monta um suspense efetivo que se aprofunda dramaticamente mesmo sem sair da tela. Muito se deve a um protagonista forte, mas também ao controle da direção que consegue justificar o desktop sem se perder da forma, dando sentido para as reviravoltas, nos colocando como observadores de uma investigação por meio de ferramentas contemporâneas e refletindo as problemáticas da era da internet.



Assim, todos os méritos citados no filme do mesmo universo não se traduzem para o novo longa. Muitas vezes Desaparecida se esquece que estamos observando a tela dessa jovem e joga informações aleatoriamente em seu computador apenas para passar a informação para o espectador ou forçando a imagem da garota a todo custo, com uma câmera aberta que não transmite para ninguém, só se justifica para quem assiste ao filme. Em dado momento tudo remete a um resumo de acontecimentos, muitas informações vão brotando na tela, como vídeos de coletivas de imprensa da polícia atualizando o caso que não estão sendo assistidas por June (Storm Reid). É extremamente acelerado e desconexo, como se os diretores não soubessem como contar aquela história e assim, colocassem tudo ali na tela, não importando muito como, usando a moldura do computador como desculpa para tudo. Em outros momentos a tela nem é mais a de June, são usados flashbacks do computador da mãe e outro que está hackeando a jovem, transpondo os pontos de vista e entregando para o público informações que a protagonista não tem, algo incomum nos filmes de desktop que costumam se manter sempre na tela principal que é observada. Assim, June nem sempre é uma investigadora, ela até descobre algumas coisas, mas em muitos momentos as coisas acontecem como espetáculo para o público, sem se ater à proposta ou fazer sentido com o todo.


As reviravoltas do filme também são uma forma de copiar o sucesso de seu antecessor, mas aqui muito mais fracas. A necessidade de constantemente revelar algo novo, de forma acelerada, parece querer alimentar pessoas que perdem o interesse por tudo facilmente. Ainda que sejam coisas muito previsíveis, pois o próprio filme entrega todas as pistas e segue algumas alternativas óbvias, a narrativa se esforça para soar como algo mais inteligente do que realmente é. É claro que quando June diz não se lembrar do enterro do pai um sinal é levantado, assim como o namorado novo da mãe ser suspeito, e a amiga e advogada agir de forma estranha também levantam hipóteses claras. Ainda assim, o filme sempre cava uma virada cercada por uma atmosfera de surpresa e, por virem sempre muitas mudanças, se mascara como algo mais complexo do que realmente é. Da mesma forma, os comentários sobre temáticas relevantes como as interações maldosas nas redes sociais, relacionamentos abusivos e a obsessão pelo consumo de conteúdos de crimes reais, são superficiais e largados em meio à trama sem nenhuma força dramática. Tudo é tão solto e rápido que fica raso demais para ser importante, assim como os personagens tratam esses pontos e são retratados no longa, sem profundidade. É mais um filme com uma relação difícil entre mãe e filha que não passa de uma poça d'água em um oceano dramático inexplorado. Se tudo precisa ser acelerado, se manter interessante e continuar em movimento, não há tempo para relações ou emoções complexas, é tudo vazio mas enfeitado com questões relevantes.


Com as recentes polêmicas em discussões pouco produtivas sobre filmes que vem ganhando destaque com o grande público, vemos obras cada vez mais limpas e rasas conquistando espaço comercial, exigindo muito pouco de quem os assiste e entregando o conteúdo na medida certa para os estimularem. Por sorte, ainda existem outras tantas pessoas fazendo cinema, com um tanto menos de furor na internet, mas um tanto mais de qualidade, e resistindo às tendências atuais de um consumo moldado por diversos fatores. Ou, talvez, eu realmente esteja antiquada.


Nota da crítica:

1,5/5





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