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Criaturas do Senhor (2023) | Os ciclos silenciosos de violência

Filme dirigido pela dupla Anna Rose Holmer e Saela Davis tem potencial ao questionar os silêncios que protegem os homens mas não consegue engatar algo substancial



Existe uma dificuldade de comprar a ideia de Criaturas do Senhor e entrar em sua história, quase como se o filme se distanciasse de nós. O longa passa cerca de uma hora ambientando seus personagens, apresentando o vilarejo de pescadores irlandeses, a mãe (Emily Watson) amável, dedicada e extremamente contente com o retorno do filho (Paul Mescal), cheio de mistérios e traumas. Tudo é frio e distante como forma de ilustrar o emocional que gira em torno dessa volta para casa e tudo que se esconde em Brian. Porém, essa introdução se arrasta em uma estrutura que se esforça demais para soar densa dramaticamente, sem entregar algo realmente forte e relevante. É como se houvesse uma concepção de que uma estética dessaturada, um ritmo mais lento, contemplativo, e os silêncios focados nas atuações fossem suficientes para dizer que esta é uma obra importante e com muito a dizer. Mas esse muito não é dito e a dupla de diretoras não consegue traduzir no conjunto de elementos nenhuma ideia realmente forte que leve a história para algum lugar, apesar de possuir um argumento promissor, este que só é apresentado após a longa introdução, quando possivelmente muitos já podem ter perdido o interesse.


O ar de mistério é o que permanece durante toda a duração, unindo todos os elementos a impressão que fica é justamente essa, de que algo está para acontecer e está acontecendo escondido de nós. Quando finalmente o conflito central é apresentado, no desenrolar dos acontecimentos, a expectativa de que algo engate aumenta, mas o filme segue se escorando nessa aura dramática que parece mais profunda do que é. Toda a força está realmente nas atuações de Watson e Mescal, que fazem um ótimo trabalho nessa dinâmica de silêncios, culpas e julgamentos. A mãe que não somente defende o filho primeiro e questiona depois, como também o faz para o manter perto, traz a questão da idealização materna, principalmente em relação aos filhos do gênero masculino, mas também reflete sobre uma política que construiu as bases da nossa sociedade, a de calar vítimas mulheres e proteger os homens culpados. Watson carrega muito bem essa força dramática da dúvida que se transforma em culpa e em uma rejeição ao filho, assim, ouso dizer que não fosse esse trabalho da atriz, o filme ficaria ainda mais estagnado.



Ocorre que há muito tempo para construir o território do fato e pouco para se aprofundar nele. Mescal fica muito distante nesse processo, dando um ar obscuro ao personagem, e assim quase todo o trabalho emocional fica com a mãe. Existem diversas questões sobre classe social e papéis de gênero que ficam rodeando as consequências da violência e do acobertamento, mas não passam muito da superfície. O que faz girar todas as críticas contidas em Criaturas do Senhor é o que acontece dentro de Aileen, da quebra da ilusão com o filho amado a uma tentativa de reparar as coisas. São poucos os momentos em que o filme consegue unir em imagem, texto, som e atuação algo que construa realmente uma potência dramática e todos eles estão nas mãos de Watson. Mesmo assim, fica difícil qualquer aproximação do espectador com o longa.


Acredito que a obra tenha tomado uma escolha um tanto covarde para lidar com a temática que carrega, pontuando a existência dos ciclos de violência e do quanto o silêncio pode proteger um abusador e acabar com a vida de uma vítima e não indo nada além disso. A escolha aqui é de escancarar uma ideia de impotência, que isola a jovem e a manda para longe, faz Aileen viver com as consequências de seus atos mas absolve Brian de algo mais concreto, além de suas questões internas. Talvez queira dizer que somos todos pessoas, criaturas, condenados a viver numa realidade injusta e desigual, mas o que fica mesmo é a mensagem que ainda isso seja verdade, não há um lugar de paz para uma mulher violentada. Algo infeliz demais, maquiado numa estética poética.


Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e California Filmes

Criaturas do Senhor chega aos cinemas em 13 de Abril.


Nota da crítica:

2,5/5




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