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Caramelo (2007)

Em sua estreia na direção, Nadine Labaki traz uma pluralidade de jornadas que, quando juntas na unidade cinematográfica, criam uma apresentação muito otimista do que é a realidade.



À contragosto de muitos, vejo o otimismo como uma qualidade. Olhar para o mundo que se prostra diante da nossa existência, com todos seus estigmas e problemas, e ainda assim achar uma perspectiva boa, positiva e vibrante é algo para se preservar. Não que seja necessário, em um mundo com tanta desolação, um descolamento da realidade para que esse ponto de vista emane: há muito de bom nos fracassos e tropeços que a vida pode oferecer e quando um artista reconhece isso sua arte consegue ser realista, ao enxergar as pelejas de uma jornada que pode não ter o final desejado, e igualmente romântica, ao encontrar a beleza e poesia no dia seguinte, nas recompensas desconhecidas e nas flores que ganhamos em meio aos espinhos.


Caramelo, filme de Nadine Labaki, é um exemplar desse tipo de obra. Com a sobreposição das jornadas de funcionárias de um salão de beleza, a diretora cria um universo em que não existem erros e acertos, mas sim decisões e suas reverberações e que, mesmo sem “finais felizes”, ainda consegue achar os seus finais felizes.


Os dramas cotidianos são trazidos à tona com toda a potência em que são sentidos pelas personagens, mas sem ganhar uma escala catastrófica da unanimidade de um ponto de vista. Sempre que uma começa a embalar é magistralmente sobreposta, transferida ou até mesmo cortada pelas demais e isso alça o senso coletivo à uma escala muito única. Não que as pelejas não sejam sentidas, mas elas vivem em constante transição, por exemplo, quando Layale encontra o motel mais barato para hospedar o aniversário de seu parceiro, toma um bolo já que ele não consegue se livrar da esposa para encontrar a amante, sofre, mas ainda assim acha coração para afagar a amiga que chora sua própria história.



Junto disso, o filme é proporcionalmente mais interessante ao quão rotineiro e simples consegue ser. Por grande parte do tempo, Rima é a coadjuvante bocuda das demais narrativas, mas a sua, mesmo sendo a mais enxuta, é a mais magnética. Em 3 ou 4 cenas, com pouco ou nenhum diálogo ao longo de uma lavagem de cabelo, o filme cria uma tensão inexplicável com a troca de olhares, uma trilha apaixonada e um uso muito intimista da câmera. Como sempre, esse clima é constantemente cortado pelos demais, mas quando impera é inegável. Ela abre espaço para especulação, apoiando-se em estereótipos e construções fílmicas e sociais comuns, para só assim surpreender o espectador com um desfecho muito despretensioso e tão lindo e temático quanto o restante.


O que acontece com Rose é um outro ótimo exemplo. Mesmo diante de um americano interessado em desenvolver um elo com ela, tanto pela presença forte de Lili quanto por sua própria insegurança, não se sente bem para dar o próximo passo em uma relação e é lindo como o filme não problematiza essa simples escolha. Há quem possa dizer que ele peca em fechar o arco ou que a personagem não evolui, mas sinto que não há essa preocupação com fechamentos ou em entregar uma lição moralista. É corajoso o suficiente para só deixar que ela, em uma situação desconfortável, não siga adiante. Que grande mal há nisso?


Aliás, voltando no que foi trazido acima, “despretensioso” é uma ótima palavra para definir o que acompanhamos aqui. A forma como Labaki articula seus planos e cria significados é muito singela e significativa. As personagens, no auge de suas próprias narrativas, são enquadradas entre portas e janelas. As elipses são grandes e focam mais no que a vida tem para oferecer após um acontecimento, quais caminhos e possibilidade tem na manga, ao invés do que de fato aconteceu. Uma forma branda de se fazer cinema, mas que nem por isso deixa de ser marcante.



Ainda no oriente, me lembra muito Cinco Graças (Deniz Gamze Erguven, 2015) e no ocidente me lembra muito o que Greta Gerwig e Noah Baumbach vem criando na última década, em especial Frances Ha (um dos meus filmes favoritos).


Caramelo é uma estreia tão sofisticada que mais parece um produto de muitos anos de sensibilidade diante da película. É um deleite de filme, desses poucos que nos fazem olhar para o nosso dia-a-dia e almejar beleza e poesia em cada canto e desventura. “A vida é como uma melancia, temos que abrir para saber se está boa”, nesse ditado, que não poderia ser mais cotidiano, ele se resume bem: abrimos a vida dessas personagens, vemos o que há de bom e ruim e ainda assim conseguimos um bom suco.


Nota do crítico:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular.

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