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7 Cortes de Cabelo no Congo (2022) | Criativo e ilustrado

O trio de diretores prova sua criatividade no formato, mas abrem mão de seu maior diferencial em prol do conteúdo.



Usualmente visto mais como jornalismo do que como cinema, os documentários sempre sofreram com o achatamento de sua experiência sensorial em prol do retrato "fidedigno" da realidade. Logo, ainda que sejam incontáveis os ótimos filmes desse gênero com a capacidade usar a linguagem para ir além, são muitos aqueles que se contentam com uma forma medíocre de expor seu enredo: um punhado de entrevistas que usam e abusam da regra dos terços no enquadramento, roteiro naquilo que é explicitamente falado e uma ou outra imagem (seja de arquivo ou captada) para ilustração.


As grandes produtoras de streaming masterizam essa fórmula tal qual a própria Marvel se apropriou do cinema de super-heróis. Assim sendo, aqueles com a capacidade de sair dessa bolha são bem destacáveis. Paris Is Burning (Jennie Livingston) se apoia nas entrevistas para criar um ambiente rico e dissecar aqueles que retrata de uma forma muito lúdica e Elena (Petra Costa, 2012) equilibra a narração, divagações do eu lírico e até mesmo um bocado de experimentações para compor uma persona inalcançável a partir da irmã da diretora, para servir de exemplo.


Diretamente do 11º Olhar de Cinema, 7 Cortes de Cabelo no Congo, do trio de diretores Luciana Bezerra, Gustavo Melo e Pedro Rossi, tinha tudo para galgar um degrau nessa prateleira de documentaristas, mas deixa escapar a estrutura que constrói em prol de um encaixe formulaico. Sua proposta é bem simples, expor o ponto de vista do ser humano comum ante as problemáticas e sistemáticas relacionadas à política internacional. A partir do salão de cabeleireiro e de suas conversas com idas e vindas, ele cria um ponto de vista bem único com conversas sobrepostas e opiniões que mesclam o embasamento e a pessoalidade para discutir temas pan africanismo e imperialismo.


Em seus primeiros capítulos, cada um destes representando um corte de cabelo, vemos esses tópicos escaparem em um bate-papo muito orgânico. O cotidiano e a pequenez daquele salão em choque com o tamanho e relevância do que discutem oferece uma perspectiva muito interessante para tais assuntos. Como eles são vistos por pessoas comuns. Toda a primeira metade do filme se apoia nisso e mescla essa conversa “séria” com as brincadeiras, tiradas e superficialidades de uma conversa de barbeiro. Nisso ele é bem feliz e, ainda que diluído, estende essa motivação até o final.


Todavia, aos poucos, alguns temas parecem prevalecer ao ponto de cortar essa atmosfera. Àqueles que antes agiam mais como personagens, no sentido ficcional mesmo, existindo naquele local sem notar a câmera, passam a se voltar para ela. Não só pelo fato de não existir esse julgamento moral com diferentes graus de importância para o que é dito, mas principalmente por quebrar a dinâmica tão forte que se preza a construir em um primeiro momento, fico com a impressão de que o filme se rende à necessidade de fazer um sentido narrativo completo e abandona esse interesse pelo assunto rotineiro.


Para sua segunda metade ter gatilhos mais emocionais, não se contém em colocar os clientes da barbearia falando diretamente com os documentaristas. Da mesma forma, as imagens de arquivo, que antes estavam condensadas ao que é visto por Pablo, principal figura do filme, começam a serem usadas para o simples ofício de ilustrar e explicar para o espectador sobre o que estão falando. Então, a grande dicotomia na qual se sustentava o filme, que tratava de geopolítica com a mesma efemeridade de uma piada, que conversava sobre o mundo em um ambiente tão pequeno, se perde.


Até mesmo a câmera, que encontrava um certo elo visual entre a navalha e a língua, assume uma postura menos criativa conforme o enredo se desenrola. Para não dizer que não falei das flores, embora haja uma relação ou outra mais interessante que cria nessa abordagem direta, como o corte entre a fala de Pablo sobre decapitar estupradores e a lâmina afiada passeando pelo rosto de seu cliente, há pouco para que a obra sustente uma unidade narrativa. Talvez mais irônico que o choque entre dois universos que exalto na abordagem inicial, seja o resultado final: uma amálgama entre um caminho simples e outro mais interessante de se construir um documentário.


Nota do crítico:


Texto escrito para a Cobertura da Cine-Stylo do 11º Olhar de Cinema. Acesse o site do Olhar de Cinema para conferir toda programação online do festiva.


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:



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